A EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA NO BRASIL
A educação escolar em terras indígenas, do período colonial, império e república, estava limitada ao atendimento somente das séries iniciais do ensino fundamental, com um resultado desastroso para as comunidades indígenas. Na década de 1960, iniciou-se, em todo o Brasil, por intermédio de organizações indígenas e não indígenas, a luta pela mudança no processo de escolarização nas aldeias. A Constituição de 1988 garantiu aos povos indígenas o direito aos seus bens materiais (como a terra) e imateriais (como a autonomia e os processos próprios de aprendizagem e o uso de suas línguas e culturas). É consenso entre índios e indigenistas que a última Constituição Federal pode ser considerada a “Constituição do Índio” pelas garantias dos direitos desses povos no Brasil. Bergamaschi e Dias (2009) descrevem como a atual Constituição Federal teve sua influência na educação escolar indígena:
A fundamentação jurídica deste novo momento da educação escolar indígena no Brasil está registrada na Constituição de 1988, que reconhece o direito dos povos indígenas a uma educação escolar diferenciada, que respeite os processos educacionais próprios de cada povo (artigo 210), direito este confirmado em outras leis da educação, como é o caso da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, de 1996 (artigos 78 e 79) e do Plano Nacional de Educação, de 2001, no qual a temática da educação escolar indígena figura em capítulo específico (nº 9), com 21 metas. Pareceres e Resoluções do Conselho Nacional de Educação (CNE) regulamentam, detalham e conceituam a Educação Escolar Indígena nacional, merecendo destaque a Resolução Nº 3, de novembro de 1999, que âfixa as Diretrizes Nacionais para o funcionamento das escolas indígenas e dá outras providênciasâ. Como uma das conseqüências dos avanços legais, a educação escolar indígena, até 1991 tutelada pela FUNAI, passou para o âmbito do Ministério da Educação.
O Decreto Presidencial nº 26/1991 retira da FUNAI a incumbência da Educação Escolar Indígena e atribui essa competência ao Ministério da Educação (MEC), para coordenar as ações referentes à Educação Escolar Indígena no país, estabelecendo as instâncias e respectivas competências estaduais e municipais. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, Lei n.º 9.394, de 20 de dezembro de 1996, também garantiu, em seus artigos 78 e 79, competências e ações de pesquisa e ensino a fim de possibilitar a execução de uma Educação Escolar aos índios, de caráter específico, diferenciado, intercultural e bilíngue (BRASIL, 1996). A aprovação da Resolução da Câmara de Ensino Básico – CEB n.º 03, de 10 de novembro de 1999, fixou diretrizes para o funcionamento das escolas indígenas do Brasil, estabelecendo a categoria de Escola Indígena, normatizando a formação específica do professor indígena e estabelecendo-lhe também uma carreira específica. Em seu artigo 8º, essa Resolução preconiza que âa atividade docente na escola indígena será exercida prioritariamente por professores indígenas oriundos da respectiva etniaâ. No artigo 9º, inciso II, preconiza, ainda, que aos Estados competirá promover a formação inicial e continuada de professores indígenas. Desta forma, a partir de então, os Estados não podem mais ignorar a especificidade da Educação Escolar Indígena, cabendo-lhe a tomada de providências para tal.
Em 21 de outubro de 2003 foi realizado em Brasília, por organização do MEC o Primeiro Seminário de Políticas do Ensino Médio para os Povos Indígenas. Informações colhidas durante o Seminário dão conta que até 2002 a política de educação indígena adotada pelo MEC era para o ensino fundamental. Durante o Seminário, representantes ali presentes elaboraram uma carta destacando a necessidade da inclusão do ensino médio na continuidade do processo escolar específico e diferenciado nas aldeias, com enfoque no alunado jovem e adulto. Divididos em cinco temas, a Carta apontava diretrizes para a construção do ensino médio indígena:
Levantamento das experiências de ensino médio vividas pelos diversos povos indígenas;
Quais as conquista da educação escolar indígena? Como um ensino médio acompanharia as conquistas identificadas?
Ensino médio, identidade e sustentabilidade indígena;
A relação entre o ensino médio e ensino superior para os povos indígenas - A formação de professores indígenas para o ensino médio;
Concepções, formato e estratégias para um ensino médio indígena – O ensino médio que queremos.
O segundo Seminário sobre políticas públicas para o ensino médio indígena, em dezembro de 2006, não teve muitos avanços na discussão. Ao contrário, usando a expressão “Estamos indignados [...]”, professores, lideranças indígenas e a Comissão Nacional de Educação Escolar Indígena cobraram duramente a realização da Conferência Nacional da Educação Escolar Indígena. Acreditavam que somente a Conferência seria capaz de reunir o maior número de povos e garantir que a implementação da política pública educacional obtivesse a anuência desses povos. Asseverando que não estariam dispostos a discutir nenhuma proposta de reformulação na educação escolar indígena até a realização da Conferência, em cujo documento constava que “[...] qualquer outro encaminhamento que seja feito não corresponderá à vontade dos povos indígenas”. Em maio de 2009, o Decreto nº 6.861 vem afrontar a recomendação contida naquele documento final de 2006.
Em 2007, houve mudança na Coordenação Geral da Educação Escolar Indígena e, como que “queimando etapas”, o grande boom da educação escolar indígena passou a ser o índio no ensino superior, seja pelo estímulo às cotas iniciativas de algumas universidades de diferentes regiões do País, seja pelo Programa de Apoio à Implantação e Desenvolvimento de Cursos de Licenciatura para Formação de Professores Indígenas (PROLIND), ou ainda, pelo Programa Diversidade na Universidade. Penso que a queima de etapas se deu pelo motivo que o censo do INEP apontou. Havia uma demanda reprimida pela educação escolar nas comunidades indígenas em todo o Brasil e na medida em que essas comunidades vão se apropriando da escola com parte integrante de suas aldeias, novas demandas vão surgindo por novos níveis de escolarização, sobretudo o médio e o superior, e que o aparelho público federal não consegue, em sua estrutura político-administrativa, conseguir acompanhar. Essa deficiência no MEC torna-se mais grave em Estados que apresentam situações como o de Mato Grosso do Sul em que o ensino fundamental nas aldeias é operacionalizado pelos municípios e o ensino médio pelo Estado. O resultado final, ou seja, o aluno acaba recebendo a educação escolar de acordo com a configuração política regional. Além disso, o papel do MEC como responsável pela educação escolar indígena fica comprometido uma vez que quando os representantes dele vêm ao Estado, eles se reúnem muito mais com técnicos das secretarias, ou representantes políticos, do que propriamente com os índios atendidos ou atingidos. Uma ação louvável do MEC foi a realização de oficinas para técnicos das secretarias estadual e municipal para se trabalhar o Referencial Curricular para as Escolas Indígenas (BRASIL, 1998). Essas oficinas foram organizadas por módulos por área de conhecimento e ministradas por assessores contratados pelo próprio Ministério.
ORGANIZAÇÃO DE PROFESSORES ÍNDIOS
Há em Mato Grosso do Sul o Fórum da Educação Escolar Indígena de Mato Grosso do Sul que tem na sua origem na organização de professores, acadêmicos indígenas, pesquisadores índios que com a ausência de encontros promovidos por instâncias governamentais, resolvem organizar a partir de recursos próprios esse Evento que tornou-se referência nacional, pois os integrantes da Comissão Nacional da Educação Escolar Indígena são nomeados a partir da indicação no Fórum. Os professores Terena da Região Pantaneira Sul-Mato-Grossense tem no Fórum Estadual da Educação Escolar Indígena sua instância regional para discussão avaliação e proposição de políticas e programas da educação escolar indígena local, regional e nacional. São convidadas para participação as Universidades que atuam com a questão indígena, Secretarias Municipais e Estadual de Educação, Conselho Estadual de Educação em defesa da educação pública e de qualidade, a fim de oferecer o processo educativo, específico, bilíngue e intercultural aos diferentes povos indígenas do Estado.
REFERÊNCIAS
BERGAMASCHI, Maria Aparecida; SILVA, Rosa Helena Dias da. Educação escolar indígena no Brasil: da escola para índios ás escolas indígenas. Agora, Santa Cruz do Sul, v. 13, n. 1, p. 124-150, jan./jun. 2007
CARDOSO, Wanderley Dias. Aldeia indígena de Limão Verde: escola, comunidade e desenvolvimento local. Dissertação de mestrado (Desenvolvimento Local), UCDB. Campo Grande/MS, 2004.
FONTES
BRASIL. Constituição (1988). República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. 16. ed. atual. ampl. São Paulo: Saraiva, 1997.
_______. Ministério da Educação e Cultura. O governo brasileiro e a educação escolar indígena. Brasília: MEC/SEF, 1998.
Prof. Dr. Wanderley Dias Cardoso
Graduação em Licenciatura e Bacharelado em História e Mestrado em Desenvolvimento Local pela Universidade Católica Dom Bosco/MS. Doutor em História pela PUC/RS com atuação na área da Educação, de Assessoria a Organizações Indígenas e da Administração Pública Estadual e Federal, atuando principalmente nos seguintes temas: Educação Escolar Indígena, Política Indígena e Política Indigenista, Gestão e Desenvolvimento Endógeno para Povos Indígenas.
Leciona no Programa de Licenciatura Povos do Pantanal – Guató, Kinikinao, Kadiwéu e Terena- da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul/UFMS, no Ensino Fundamental e na Educação de Jovens e Adultos na Terra Indígena Limão Verde. Desde 2010
Atuou como administrador na Fundação Nacional do Índio, Funai/Campo Grande. 2004-2007
Técnico e Gestor da educação escolar indígena na Secretaria Estadual de Educação, SED/MS. 1999 -2004
Conselheiro Suplente no Conselho Estadual de Educação, CEE/MS. 2004 2007
Professor Alfabetizador na Terra Indígena Limão Verde, 1997-1998
Fonte: Assessoria
Bom dia! Professor o senhor poderia enviar esse seu trabalho para meu email, estou fazendo meu TCC referente a a educação indigina e gostei muito do seu trabalho. Desde já obrigado!