Voltar 30 de Outubro de 2015

Palestra: Desafios dos Trab. em Educ. Frente à Escola Pública de Educação Integral-Antônio C. Maciel


DESAFIOS DOS TRABALHADORES EM EDUCAÇÃO FRENTE À ESCOLA PÚBLICA DE EDUCAÇÃO INTEGRAL
Antônio Carlos Maciel
É com imensa satisfação que saudamos a todos os participantes do XIV Congresso dos Trabalhadores em Educação do Estado de Rondônia. Satisfação porque reconhecemos, nesses trabalhadores organizados em seu Sindicato, com toda a crítica que se tenha a este, a única possibilidade de vida digna e de emancipação humana para aqueles, que se decidiram pela – quase – inglória opção de fazer educação nesse país. E o fazem! Apesar do salário, apesar das condições de trabalho, apesar da falta de uma política séria de formação docente e, em suma, apesar da crescente desvalorização profissional.
Daí o tema desse Congresso: “Formação + Salário Digno + Valorização Profissional = Escola de Qualidade”, porque a luta pela Escola Pública de Qualidade, desde que militamos nos movimentos Estudantil e Sindical e isso já faz quase quarenta anos, não é apenas um posicionamento pela melhoria das condições de vida somente dos trabalhadores em educação, mas, acima de tudo, é um posicionamento pela melhoria de vida dos trabalhadores em geral e, portanto, uma questão de consciência histórica...de Classe!
Desde já, agradecido aos Companheiros do Sindicato pelo convite, o tema “Desafios dos trabalhadores em educação frente à escola pública de educação integral”, proposto para essa conferência nos é da mais alta significação, desde as jornadas exitosas do Projeto Burareiro de Educação Integral, implantado em Ariquemes, entre janeiro de 2005 e agosto de 2006, por mim e mais duas educadoras, dedicadas e profissionais, as pedagogas Rute Moreira Braga e Adriana Martins Ranucci.
Esse Projeto Pedagógico, com todos os limites, inúmeras vezes apontados, mas também com contribuições significativas para o Estado e para o Brasil, é pioneiro no Estado de Rondônia e antecede às novas políticas federais, intituladas de tempo integral, que têm início em 2007.
Foi esse Projeto que nos possibilitou aprofundar os estudos sobre a formação humana pela perspectiva marxista e encontrar uma alternativa pedagógica para esta formação, via Escola Pública. Foi esse Projeto, portanto, que nos possibilitou a criação da Educação Integral Politécnica. Por isso, reafirmamos que esse é um projeto coletivo não somente do nosso grupo de pesquisadores, do nosso grupo de pesquisa, mas de todos aqueles que apostam que é possível uma escola pública melhor para os filhos das classes trabalhadoras e populares.
E esse Congresso tem algo extremamente fundamental para os propósitos da Educação Integral: não se destina somente aos educadores formados pela universidade, mas a todos quantos participem dos processos educativos na escola. Vivi isso na vida e voltei a viver no Projeto Burareiro: com porteiros, secretários, merendeiras, monitores, zeladores, motoristas e tantos outros, na tensão ou no prazer do momento. Isso é Educação! A Práxis que nos possibilita educarmos uns aos outros.
O tema nospossibilitou pensar o papel da universidade frente à formação docente, pela perspectiva da politecnia (que é uma perspectiva antagônica ao que a escola pública pretende para os trabalhadores),mas não a formação em geral, e sim uma formação geográfica e culturalmente localizada, porque afinal nos encontramos na Amazônia e temos muitos novos protagonistas de outras regiões e precisamos entender esta região, sua história e suas especificidades.
Primeiramente, porque não se trata só do papel da universidade frente à formação docente, mas também das responsabilidades docentes, responsabilidades individuais e sociais daqueles que se encontram em formação. De logo, não é interessante saber qual o papel da universidade, sem antes saber qual o nosso próprio papel? Ora pois, quais as implicações da transferência de responsabilidade só para a universidade ou para o Estado? Não é uma ironia da história, termos tanta aversão ao socialismo, mas, ao mesmo tempo, esperarmos tanto do Estado, e logo de um Estado Neoliberal? Que formação universitária é essa que não sabe e não quer saber da história de sua própria classe? Como ser educador, sob a legalidade democrática, desconhecendo a natureza brasileira do Estado e da sociedade capitalistas? Diante da realidade brasileira, que compromissos e prioridades devem ser assumidos com a questão regional? Seriam os trabalhadores em educação cães-de-guarda do Estado ou é possível, mesmo no âmbito da repressão de alguns ambientes escolares, uma prática educacional que leve à liberdade de expressão, à melhoria de qualidade da escola pública e, portanto, a um compromisso efetivo com as classes trabalhadoras? Na historiografia educacional brasileira, temos uma proposta que possibilite uma formação compromissada com a classe, com a região e com o próprio desenvolvimento humano do homem e que, portanto, reúna o universal e o particular na individualidade social?
Pensamos, já que as resposta não são fáceis (e se as respostas não são fáceis, podemos imaginar quão difícil seja a mudança de prática), que, hoje, temos alguns indicadores e conhecimento sistematizado para atitudes mais coerentes com a qualificação da escola pública. E esses indicadores e conhecimentos sistematizados são apresentados a seguir.
1 A IMPERIOSA NECESSIDADE DE POSICIONAR-SE FRENTE À NATUREZA BRASILEIRA DO ESTADO E DA SOCIEDADE
A nenhum profissional que atua no sistema educacional é dado o direito de desconhecer a essência da Instituição na qual está inserido: o Estado, que não é qualquer Estado é o Estado capitalista, apelidado no momento presente de Estado Neoliberal.
Em primeiro lugar, porque essa essência tem a mesma natureza da sociedade de classes, fundada pelas determinações do capital. Desconhecer esse princípio é um equívoco crasso, inimaginável para um profissional da educação, mesmo e apesar do bombardeio ideológico imposto pelos setores governantes a serviço das classes dominantes . O caráter reprodutivo das Instituições de Estado e de governo não pode jamais ser desconhecido por quem trabalha na educação:qualquer que seja sua condição no espectro profissional da educação, não lhe permite esse pretexto, a não ser como hipocrisia, principalmente se tem formação universitária.
Em segundo lugar, porque a história das Instituições educacionais do Estado capitalista tem um percurso que, no essencial, cumpre uma trajetória, cujo fim é discriminação e a marginalização das classes trabalhadoras e populares (SAVIANI, 1984).
Assim, nos períodos revolucionários da burguesia, esta acena, mas apenas por certo tempo, para um sistema de ensino universal (LOPES, 1981). O caso da revolução burguesa na França é clássico e o da brasileira é exemplar . Durante o processo de consolidação dos Estados burgueses e, portanto, de aperfeiçoamento desse Estado, os sistemas educacionais tomam um rumo contrário ao do ensino universal. Nesse momento, o sistema educacional começa o processo – definitivo – de reprodução cultural, de acordo com a estratificação social, através de dois movimentos contrários, porém, complementares: o da divisão entre o público e o privado, e o da subdivisão qualitativa da escola pública.
O caso brasileiro, ao contrário do clássico caso francês, o processo educacional se dá lentamente durante o desenvolvimento do próprio processo revolucionário que, em termos político-econômicos, de acordo com a historiografia de referencia (SAVIANI, 1982; TAVARES, 1977; FERNANDES, 1981; ROMANELLI, 1980), vai da substituição de importações ao regime militar implantado em 1964 e, em termos educacionais, até 1971.
Assim, durante esse interstício de tempo, o problema educacional brasileiro não é determinado pelas contradições entre o público e o privado, simplesmente porque o público houvera se tornado privado. Sem embargo, na medida em que a revolução burguesa no Brasil se processava através de conchavos espúrios entre as elites e entre estas e as classes médias, sempre conspirando golpes, tentativas de golpes e pseudorrevoluções, sem quase nenhuma participação popular, o ensino público, também, não passou de mais um item na mesa de negociação no empório das “novas” classes dominantes do Brasil do pós 1930.
Somente a partir dessa perspectiva é possível compreender, porque até a década de 60 do século XX, o ensino público no Brasil era de qualidade indiscutível e correspondia a 75% da população escolar em relação ao privado. Também pudera: as classes médias  controlavam o ensino público para seus filhos, combinando duas estratégias que deixariam até Maquiavel ruborizado: a rigorosa regulação do acesso, pela via da redução do oferecimento de vagas, e a não menos rigorosa seleção ao término do ensino primário, via exame de admissão. Esse é o motivo pelo qual até a reforma do ensino básico de 1971, o ensino privado, e suas consequências nefastas para a qualidade do ensino público, não era um problema de política educacional: para as elites, se assim preferissem, havia uma reduzidíssima rede nacional de ensino privado de ótima qualidade; para as classes médias, a restrita rede de ensino público com a qualidade que lhes satisfazia; e ao povo, bom, ao povo restava o ensino primário (quando muito) ou por milagrosas exceções, a escola secundária, além, é claro, do ensino profissionalizante, não raramente provido pelo sistema “S”.
Porém, desde os anos 50, os movimentos sociais, em particular, o sindical e o estudantil, orientados pelos diversos partidos de esquerda , pressionavam cada vez mais as elites governantes, representativa da claudicante burguesia nacional e das empedernidas oligarquias agrárias, para democratizar a educação.
O resultado é de todos sabido. O golpe militar de 1964 representou o solapamento das liberdades democráticas e da participação popular nos rumos que a sociedade tomaria nas próximas duas décadas. Apesar disso, todavia, o arranjo político surgido do golpe não pode manter inalterada a estrutura educacional.
Com efeito, tanto a reforma universitária levada a efeito pela Lei 5.540/68, quanto a reforma da educação básica instituída pela Lei 5.692/71, determinaram o fim da velha forma compactuada de controle do ensino, mas, ao mesmo tempo, estabeleceram as bases para novas formas de controle, muito mais refinadas e engenhosas, tal como devem ser numa sociedade burguesa consolidada.
É exatamente a partir desse momento que a contradição entre o público e o privado se estabelece com a contundência da luta de classes. E por quê? Porque a imperiosa necessidade de universalizar o acesso e de massificar a formação para o trabalho impunha a abertura da escola pública para imensas camadas populares, com as quais as classes médias não gostariam de ver seus filhos convivendo.
Assim é que as classes médias abandonam, progressivamente – das mais para as menos abonadas – o controle da escola pública da educação básica na década de 1970. O Estado, então, sem resistência popular, pois as camadas que chegavam à escola não possuíam a organização política  necessária para manter a qualidade sustentada pelas classes médias, pôs-se a implantar o projeto de sucateamento do sistema público de ensino, ao mesmo tempo em que favorecia, no mais das vezes com verbas públicas, a expansão qualificada do sistema privado de ensino.
Cabia no Brasil, portanto, como coube alhures em tempos anteriores, implementar a organização dualista do sistema nacional de ensino: duas redes de ensino, cada uma das quais cumprindo funções específicas, segundo o papel do estrato social a que estivessem vinculadas (SNYDERS, 1981). Numa palavra: cabia constituir uma rede estratificada para os pobres e uma rede para os ricos e classes médias.
Ainda hoje essa verdade, tão formidavelmente disfarçada pela mídia e demais instituições ideológicas do Estado, mesmo com a contundência das estatísticas sobre o fracasso do ensino público, é difícil de ser admitida como tal, por variadas razões, pela quase totalidade de estudantes e professores, incluindo-se aqui os do ensino superior.
A questão relevante, para todos os interessados na recuperação da escola pública, é saber como se chegou a esse estado de coisas, como e por que, em 45 anos, se destruiu a qualidade do ensino público, por que, apesar do quase resolvido problema do acesso ao Ensino Fundamental, a escola básica de ensino público não responde satisfatoriamente para a formação profissional, muito menos – muito menos mesmo – para o ingresso na universidade?
Pelo prisma por onde se vê, sem a reconstituição histórica do processo de montagem das duas redes de ensino e sem a compreensão histórica do caráter classista e elitista do sistema educacional brasileiro, bem como de sua expressão máxima, o segregacionismo, dificilmente se poderá descobrir as raízes do sucateamento do ensino público e encontrar soluções alternativas às indicadas pelo Estado.
Sem isso, pensa-se, não é possível perceber, que a opção pela escola pública não entra em contradição com os interesses da escola privada, cujo curso segue paralelo ao da escola pública. A contradição reside no choque entre os papeis fundamentais que essa escola deve assumir junto à população a quem se destina: ou o de emancipação (e tudo que isso representa em termos de cidadania, formação humana e formação profissional) ou o de sujeição (e tudo que isso representa em termos de subcidadania e subformação humana e profissional).
A história dos últimos 45 anos não deixa a menor dúvida de que o Estado brasileiro preferiu a sujeição, a precariedade, a deterioração, a indignidade, a desumanidade, a incompetência, a instrução (e não formação) hierarquicamente rebaixada, onde as escolas, num continumcentro-periferia, são cada vez mais esvaziadas de educação e de sentido!
Hoje, quando as forças progressistas desse país conseguiram emplacar a meia vitória, que é a implantação da educação de tempo integral, pensa-se, ainda que o tempo integral não seja educação integral, que é uma grande oportunidade de luta pela recuperação de uma escola pública com mais qualidade e, então, a responsabilidade pela formação não é só da Universidade ou do Estado, mas também da pressão organizada dos setores populares e comprometidos com a educação pública.
Mas só o conhecimento da natureza brasileira do Estado e da sociedade, em geral não é suficiente para pensar caminhos para a formação docente, cabe, ainda, posicionar-se frente a esse estado de coisas e conhecer a formação social da Amazônia, já que é nesta região específica que se está inserido.
2 OS DESAFIOS AMAZÔNICOS EM TERMOS DE FORMAÇÃO DOCENTE
É quase consenso, entre historiadores e antropólogos, o fato de que a formação da sociedade cabocla amazônica se fez em três momentos: o colonial, decorrente das relações entre indígenas e portugueses; o seringal, decorrente da economia da borracha, no qual indígenas, caboclos e nordestinos, particularmente cearenses, dão o tom da ocupação antrópica; e, finalmente, a urbanização da cultura cabocla, decorrente do massivo êxodo rural, a partir da década de 1920 .
O primeiro momento vai da fundação do Forte do Presépio, em 1616, que dá origem a cidade de Belém do Pará, até meados do Século XIX, quando o declínio do extrativismo das drogas do sertão dá origem ao extrativismo da borracha, impulsionado pela crescente aplicação desta na indústria de então.
Nesse período de aproximadamente 250 anos, a ocupação da Colônia do Grão-Pará e Maranhão  é realizada por civis, militares e religiosos, a serviço da coroa portuguesa, em luta direta contra as centenas de etnias indígenas existentes.
O caráter beligerante da ocupação atenuado por uns; enfatizado por outros, é um fato inconteste.
Para Ribeiro (1995), a política de colonização com açorianos fazia parte da estratégia de estabilizar a sociedade nascente, sendo um complemento das estratégias mais efetivas na região: os descimentos, as guerras justas e as tropas de resgate. Cada uma destas envolvia aparatos de aliciamento e chantagem (no caso dos descimentos) e de guerra (no caso das guerras justas e das tropas de resgate). Cada forma de conquista determinava a condição do vencido: os indígenas descidos eram repartidos entre colonos (em seus núcleos coloniais) e religiosos (em suas missões-reduções); os vencidos ou capturados eram escravizados na lavoura, no extrativismo e no transporte. Para o autor, desta condição de reprodução social nasce o embrião da sociedade cabocla: os destribalizados, os deculturados (colonos) e os mestiços, em cuja convivência, forçada ou não, emerge a cultura cabocla.
A historiografia regional, em particular, a do Amazonas (FREIRE, 1991; MACIEL, 1992; SOUZA, 1977) não só enfatiza a natureza beligerante do processo de conquista da Amazônia pelos portugueses, incluindo as formas mercantis de organização e exploração do trabalho, mas também destaca (como não o fazem autores de outras regiões do Brasil e brasilianistas) as estratégias de resistência indígena, durante o embate, como elemento determinante da sociedade e da cultura caboclas.
De fato, contra a opressão portuguesa eclode o maior movimento de resistência: a cabanagem . Ao término do conflito, todavia, pode-se constatar que o Amazonas ainda se constituía na "única unidade política que não havia sido portugalizada e que permanecia majoritariamente indígena" (FREIRE, 1991, p. 62) e, sobretudo, não falava português, uma vez que o nheengatu permanecia como língua de comunicação comercial e popular, o que leva Joaquim Nabuco (apud FREIRE, 1991, p. 62) a afirmar: “os portugueses vieram, viram, mas não venceram”. Portanto, ao contrário do restante do Brasil, essa região ainda precisava ser conquistada.
O segundo momento, que vai de meados do Século XIX até a década de 1920 , é fundamental para a consolidação da cultura cabocla, porque efetiva a integração da antiga Colônia do Grão-Pará, agora Províncias e, seguida, Estados do Pará e Amazonas ao Brasil; porque a economia da borracha possibilita a criação de uma rede urbana integrada aos seringais; estes, por sua vez, favorecem a criação de uma estrutura social diferenciada da indígena, incluindo a língua de comunicação .
A economia da borracha possibilitou à região, em particular a Manaus e Belém, a aquisição dos mais avançados produtos do mundo de então: de urbanização, de consumo e deleite cultural, que contrastavam com a pobreza dos trabalhadores e desempregados urbanos, com a miséria dos seringueiros e demais trabalhadores regionais.
Sem embargo, toda a estrutura urbana existente em Manaus até meados dos anos 80, na área central da cidade, remonta à primeira década do Século XX, o que comprova que a Manaus da belle-époque alcançou elevado grau de urbanização, ainda que esta obra, a cargo dos ingleses, tenha desprezado a lógica de ocupação do espaço regional e só atendesse aos interesses dos coronéis, a ponto de o sociólogo André Araújo revelar que "a 'Paris dos Trópicos', ao procurar negar a sua identidade para buscá-la 'no outro', não percebeu que estava cercada por uma 'Banlieue' de nordestinos famélicos e índios destribalizados" (FREIRE, 1991, p. 59).
No lado rural, as contradições eram, ainda, mais gritantes. Trabalhando sob condições irracionais de trabalho e preso ao sistema de aviamento (SANTOS, 1980, p. 155-175), o seringueiro mereceu de Euclides da Cunha (apud SOUZA, 1977, p. 100) uma defesa indignada:
Nas paragens exuberantes das héveas e castilôas, o aguarda a mais criminosa organização do trabalho que ainda engendrou o mais desaçamado egoísmo. E clama: urgência de medidas que salvem a sociedade obscura e abandonada: uma lei do trabalho que nobilite o esforço do homem; uma justiça austera que cerceie os desmandos; uma forma qualquer de homes-tead que o consorcie definitivamente à terra.
De acordo com Souza (1977), nunca a cultura amazônica e os valores regionais foram tão terminantemente negados.
No entanto, a degeneração completa da sociedade do látex só teria início, de fato, em 1910, quando a primeira produção de borracha asiática abala o mercado mundial e determina a queda imediata dos preços do comércio internacional do produto. E as razões da derrocada são apontadas por Cano (1983, p. 45):
A internação florestal dos seringueiros, a não abertura de terras e a grande necessidade de mão-de-obra para a extração do látex impediam o desenvolvimento local de uma agricultura comercial produtora de alimentos. Embora sua mão-de-obra fosse livre não criou o assalariamento, transformando sua mão-de-obra, pela economia do aviamento, em produtores diretos. Sua estrutura de comercialização e o predomínio do capital mercantil atomizaram o uso interno de parte do seu excedente, permitindo ainda grande vazão para o exterior, seja na forma de grandes importações de bens e serviços, seja na de remessa de lucros e de juros.
Premidos pela concorrência internacional, sem indústria manufatureira para outras demandas nacionais e sem poder regional sobre o poder central, a economia da Amazônia entra em colapso.
Com isso, a Amazônia recua ao mais retrógrado extrativismo, fragilizando ainda mais a estrutura dos seringais nativos, muitos dos quais entregues a sorte das florestas; enquanto sua indústria manufatureira, com o passar dos anos, foi sucateada e extinta; e o seringueiro, abandonado à própria sorte no interior da selva amazônica.
Por mais paradoxal que possa parecer a formação cultural da sociedade cabocla é produto tanto da riqueza da economia da borracha e suas contradições culturais e de classe, quanto do extremo isolamento aliado à profunda estagnação econômica.
Se no período anterior, que vai até meados do Século XIX, era possível distinguir, entre os regionais, os destribalizados, os deculturados (colonos) e os mestiços, tal como o faz Ribeiro (1995), com a imigração de aproximadamente meio milhão de nordestinos, a miscigenação generalizada, a estruturação social de um campesinato agroextrativista  com reflexos acentuados nos centros urbanos municipais, evidentes mesmo nas capitais, além de um padrão relativamente uniforme de reprodução social e cultural, incluindo a língua portuguesa, um século depois já não o é mais. Isto é a sociedade cabocla amazônica. A diversidade dessa relativa uniformidade cultural decorre, então, das diferenças de classe, dividida entre as oligarquias decadentes, as classes médias intelectualizadas dependentes, os trabalhadores urbanos empregados ou não, e o campesinato agroextrativista .
Assim, o terceiro momento consiste na urbanização da cultura cabocla e está dividido em duas fases: que vai dos anos 1920 ao final da década de 1960, e desta aos dias atuais, ambas caracterizadas por intenso êxodo rural .
Com efeito, ao se fazer um balanço da economia da borracha até 1920, chega-se a algumas conclusões, a mais importante delas para esse estudo, diz respeito ao fato de que proporcionou a consolidação de uma nova estrutura social amazônica, na qual as contradições étnicas dão lugar às sociais.
A partir de então, já era possível perceber que o seringal consolidou a miscigenação entre índios, nordestinos e colonos portugueses, constituindo um tipo de sociedade nacional (a sociedade cabocla), distinta da organização social indígena, mas sua herdeira culturalmente. Numa palavra: a sociedade cabocla se tornara efetivamente uma sociedade de classes, culturalmente referenciada e historicamente situada.
Por outro lado, a partir da década de 1920, o que hoje são cidades-sede dos principais municípios da calha amazônica já ostentavam o status de vila ou de cidade, mas sua existência era indissociável da existência dos seringais  e suas contradições sociais entre seringalistas, aviadores, seringueiros e seus dependentes. Em resumo, excetuando Manaus e Belém (onde a divisão do trabalho alcançara um largo espectro de funções), o palco das contradições, seja no seringal, seja na cidade, tem os mesmos personagens. É esse o contexto em que se dá o primeiro grande êxodo rural e a desestruturação dos seringais .
O fato é que justamente nesse período, entre as décadas de 1920 e 1960, o êxodo rural consolida o modo caboclo de viver nas cidades, incluindo as capitais: da arquitetura urbanística, conforme a classe social, à culinária; das relações de vizinhança e estrutura de parentesco aos festejos e expressões folclóricas .
Esse é o quadro sociocultural que as políticas de integração nacional vão encontrar na Amazônia no final dos anos de 1960. Mas a política de integração nacional tem interesses que vão além da integração regional. Conforme Ianni (1981, p. 132):
[...] a ditadura instalada no Brasil adotou principalmente duas políticas na Amazônia. Uma, de inspiração geopolítica, destinada a refazer e reforçar os laços da região com o conjunto do País, em especial o Centro Sul, econômica, política, militar e culturalmente dominante. Outra, de inspiração econômica, destinada a reabrir a Amazônia ao desenvolvimento extensivo do capitalismo.
A precisão analítica de Ianni é confirmada, quando se segue os trâmites das decisões geopolíticas, que puseram a Amazônia como área prioritária de segurança nacional, por cuja condição se institui a política de integração nacional dos governos militares. A viabilidade da Amazônia como área de segurança nacional, no entanto, de acordo com a estratégia de integração, somente seria possível acoplando as regiões intermediárias: o nordeste, que forneceria os excedentes populacionais, e o centro-oeste, que faria a ligação com o centro-sul do país e com o oeste da Amazônia . Assim, as políticas de desenvolvimento para a integração nacional se dão através de programas para as três regiões, compreendidos em quatro períodos bem demarcados: o da Operação Amazônia (66-70), o do PIN/PROTERRA/I-PND (70-74), o do II-PND (75-79) e o do III-PND (80-85), todos, portanto, durante os governos militares .
Esses Programas operacionalizam a divisão dos diversos mercados pelas agências de desenvolvimento (SUDAM, SUDENE, SUDECO e SUFRAMA) leva não só em consideração o peso político das oligarquias estaduais e a função específica de cada área-programa previamente determinada, mas também o interesse dos investimentos externos prioritários, se enclaves industriais (Amazonas), se grandes projetos agrominerais (Pará), se grandes projetos agropecuários (Mato Grosso e Goiás, que incluía o futuro Tocantins), se colonização estratégica para reforma agrária (Rondônia), se reserva extrativista (Acre) ou indígena (Roraima).
A geopolítica econômico-social da Amazônia seria viabilizada pela abertura de malhas rodoviárias , de acordo com a teoria espacial dos polos: as rodovias, chamadas de troncais, constituir-se-iam de eixos ligando vários polos (geralmente capitais) de interesse (influência) regional (por exemplo, Campo Grande-Brasília-Belém ou Brasília-Cuiabá-Porto Velho-Rio Branco) ou vários polos (área-programa) de interesse estratégico (localização), como por exemplo, só para ficar no eixo da BR 364, BR 158 Barra do Garças-Santana do Araguaia com projeto até Altamira na Transamazônica; BR 163 Cuiabá-Santarém, passando por Sinop, Alta Floresta e Itaituba; BR 174 Vilhena-Juína com projeto para Juruena e Aripuanã, como se vê, todas no sentido norte e BR 429 Médici-Costa Marques e BR 421 Ariquemes-Guajará-Mirim, no sentido do vale do Guaporé, fronteira com a Bolívia.
Nos últimos quarenta e cinco anos, entre 1970 e 2015, pode-se dizer que o capital alcançou seus objetivos econômicos e, apesar das adaptações, a cultura cabocla resiste na grande calha (Acre, Amazonas, Pará), porém, não se pode dizer o mesmo de Rondônia, Tocantins, Sul do Pará, parte de Roraima e áreas significativas do Sul do Amazonas, nos quais existe uma predominância cultural sulista e suas respectivas formas econômicas de ocupação da terra e exploração dos recursos naturais.
Diante desse quadro,a nova configuração sociocultural da Amazônia está a exigir da formação docente desafios que extrapolam os limites da cultura tradicional cabocla.
Além da questão sociocultural e econômica, que implicam diretamente na formação, há que se considerar as desigualdades regionais, entre o Norte e o Sul/Sudeste, tanto na educação básica, quanto no ensino superior, decorrentes do modelo de desenvolvimento brasileiro que, ao concentrar as riquezas nas regiões Sul e Sudeste, também, concentrou nessas regiões a capacidade científica e tecnológica do país, com repercussão direta na qualidade do ensino público, tanto básico, quanto superior, conforme se pode conferir em Maciel (2009, 2011).
Portanto, o que se coloca hoje em termos de formação docente na Amazônia, desde as responsabilidades da universidade até os compromissos individuais e sociais, passa pela necessária compreensão do que é o Estado brasileiro, como se constituiu socioculturalmente e quais são as especificidades amazônicas nesse contexto. Só, então, pode-se falar em formação docente propriamente dita que, aliás, começa por se entender em que consiste a formação humana.
3 FORMAÇÃO HUMANA: OMNILATERALIDADE E EMANCIPAÇÃO
Pode-se definir o homem a partir de três perspectivas: determinantemente criado, biológico-racional ou biológico-sociocultural. Esta última perspectiva concebe o homem não somente como animal, portanto, biológico, mas também e, fundamentalmente, como um animal que, ao procurar transformar a natureza para sua própria sobrevivência, acabou desenvolvendo em si capacidades que o fizeram distinguir-se dos outros animais: as faculdades humanas.
Ora, a capacidade de transformar a natureza para a sua própria existência é o que se denomina de trabalho. Nesse sentido, o trabalho não somente cria a condição de existência humana, mas também a própria cultura humana, que o define, portanto, como um ser biológico-sociocultural.
É nesse sentido, que Saviani (2003, p. 132) é enfático: “o que define a existência humana, o que caracteriza a realidade humana é exatamente o trabalho”, o trabalho enquanto mecanismo essencial no processo de transformação social da natureza, invertendo os processos de adaptabilidade: enquanto todos os outros animais procuram ambientes aos quais possam adaptar-se; o homem constrói as condições de adaptação aos ambientes ou mesmo adapta as condições naturais às suas condições de existência.
Tanto quando constrói as condições de adaptação, quanto quando adaptam as condições naturais, o homem o faz a partir de objetivos previamente planejados, mesmo nas sociedades mais rudimentares. A capacidade, então, de planejar quer intuitivamente, quer racionalmente, é uma capacidade se desenvolveu com o próprio desenvolvimento cultural do homem, cultural tanto no sentido das capacidades humanas, quanto no sentido do domínio, cada vez maior, do conhecimento sobre a natureza e sobre si mesmo. Daí porque o histórico-cultural é preponderante sobre o biológico, em suas relações de mútua influência sobre a constituição da humanidade multifacetada do homem, ou como sintetiza Marx (1983, p. 33):
Cada uma de suas relações humanas com o mundo (ver, ouvir, cheirar, degustar, sentir, pensar, observar, perceber, desejar, atuar, amar), em resumo, todos os órgãos de sua individualidade, como os órgãos que são imediatamente comunitários em sua forma são, em seu comportamento objetivo, em seu comportamento desde o objeto, a apropriação deste.
Logo, em suas relações de apropriação do mundo, através do trabalho, o homem tem desenvolvido suas múltiplas capacidades, pelo menos até o advento das formas de divisão técnica do trabalho impostas pela sociedade capitalista. Nesta sociedade grande parte dos homens, as classes trabalhadoras, vai ser reduzida a determinadas funções exigidas pelos processos produtivos. Em suas relações com tal mundo do trabalho, esse homem não vai perceber que as exigências de funções específicas pelos processos produtivos não são apenas uma relação de produção, senão uma relação de produção de um tipo de homem, cujas faculdades serão sistematicamente reduzidas por não serem necessárias. Marx (1983, p. 28) não deixa por menos:
Se as circunstâncias que este indivíduo evoluiu só lhe permitem um desenvolvimento unilateral, de uma qualidade em detrimento de outras, se estas circunstâncias apenas lhe fornecem os elementos materiais e o tempo propícios ao desenvolvimento desta única qualidade, este indivíduo só conseguirá alcançar um desenvolvimento unilateral e mutilado.
É o próprio Marx (1983, p. 24) quem arremata: “Subdividir um homem é executá-lo, se merece a pensa de morte; se não a merece, assassiná-lo...”. Eis, por conseguinte, a chave para a compreensão do papel da escola pública. Como essa escola tem a finalidade de atender as classes trabalhadoras, fica fácil perceber que esta instituição, ao formar para o mundo do trabalho, vai exatamente cumprir a função do desenvolvimento unilateral, mutilador, portanto.
Ora, se a escola pública proposta pelo Estado capitalista tem essa finalidade, cabe aos educadores compromissados com as classes trabalhadoras inverter esse papel: buscar um desenvolvimento omnilateral das classes trabalhadoras e de seus filhos, que significa buscar outro tipo de educação que lhes possa proporcionar o desenvolvimento de suas múltiplas capacidades, que lhes possa proporcionar múltiplas possibilidades de realização para vislumbrar as condições de sua emancipação. É em busca desses objetivos que se tem desenvolvido o princípio pedagógico da politecnia.
4 A POLITECNIA COMO PRINCÍPIO PEDAGÓGICO DA FORMAÇÃO DOCENTE
A politecnia como princípio pedagógico nasce do trabalho como princípio educativo: primeiramente da experiência pedagógica do Projeto Burareiro de Educação Integral; depois, dos estudos realizados para viabilizar a execução do próprio Projeto Burareiro, estudos esses que continuam até os dias de hoje.
Até 2005, pensava-se, pelos estudos desenvolvidos pela pedagogia histórico-crítica e por outros estudiosos marxistas, que a concepção de trabalho, enquanto princípio educativo era suficiente para se executar uma experiência pedagógica. Na prática, porém, percebeu-se que era insuficiente, que apenas indicava fundamentos sobre a constituição da humanidade humana (e isso não é redundância, é assim mesmo para seja compreendida), sobre a necessidade de integrar ao processo de formação educacional o domínio das atividades produtivas (tema que gerou estudos os mais variados sobre “trabalho e educação”) no seu lócus por excelência, o Ensino Médio, que por sua vez originou várias experiências educacionais nesse nível de ensino.
Essas três dimensões não possibilitavam orientação suficiente para implantar um tipo de educação integral, que tinha como lócus o ensino fundamental. Se, de um lado, era, como é, compreensível que o desenvolvimento das faculdades humanas decorra, historicamente, do processo de humanização da natureza e de suas relações com outros homens; se, em função disso, é possível compreender que o processo de formação escolar possa contribuir significativamente para esse desenvolvimento; de outro, isso não era suficiente para orientar processos pedagógicos efetivos, como ademais, as outras dimensões (integrar trabalho e educação, e operacionalizar isso no Ensino Médio) não era o foco do Projeto Burareiro, centrado no Ensino Fundamental.
Assim, precisava-se de um princípio pedagógico que complementasse o princípio do trabalho educativo.
Ora,o conceito politecnia decorre da concepção marxiana de educação. Esta concepção está expressa, em suas linhas gerais, nas “Instruções aos Delegados do Conselho Central Provisório, da Associação Internacional de Trabalhadores”, publicadas em 1868, e que, em 1871, norteariam a política educacional da Comuna de Paris. Nas “Instruções”, Marx (1983, p. 60) é definitivo:
Por educação entendemos três coisas: 1. Educação intelectual; 2. Educação corporal, tal como a que se consegue com os exercícios de ginástica e militares; 3. Educação tecnológica, que recolhe os princípios gerais e de caráter científico de todo o processo de produção e, ao mesmo tempo, inicia as crianças e os adolescentes no manejo de ferramentas elementares dos diversos ramos industriais.
Logo, a concepção marxiana de educação compreende três dimensões indissociáveis: a intelectual, que é formada pela aquisição do conhecimento científico e cultural; a corporal, enquanto desenvolvimento físico; e, a tecnológica, enquanto domínio de princípios gerais necessários ao manejo dos diversos ramos industriais. O problema é que, logo em seguida, Marx (1983, p. 60) substitui o termo tecnológico por politécnico: “À divisão das crianças [...] deve corresponder a um curso graduado e progressivo para sua educação intelectual, corporal e politécnica [...] Essa combinação de trabalho produtivo pago com a educação intelectual, os exercícios corporais e a formação politécnica [...]”.
Como esse texto não tem a intenção de polemizar, contenta-se em dizer que, em Marx, ambos têm o mesmo sentido: o de domínio de princípios gerais, que permitam o manejo de diversos ramos industriais, tal como atesta Saviani (2003, p. 145; 2007, 162).
A tradição brasileira interpreta a dimensão tecnológica ou politécnica como união de educação e trabalho, cuja relação resulta na concepção do trabalho como princípio educativo que, por sua vez seria o princípio norteador da proposta socialista de formação para o trabalho, em seu locus de excelência, o ensino médio, particularmente o profissional e o tecnológico (SAVIANI, 2003; FRIGOTTO, 1984, 1999; NOGUEIRA, 1990; KUENZER, 1998, 2002; MACHADO, 1989; GUIMARÃES, 1991; BERNARDES, 1991; GUSSO, 1991).
Desde já parece evidente que a educação tecnológica ou politécnica, em Marx, é apenas uma das três dimensões, logo não se pode reduzir a concepção marxiana de educação a esta dimensão. Por consequência, desde Marx, a concepção de educação é mais ampla e envolve necessariamente a educação intelectual e corporal.
Desta maneira, o locus privilegiado, em termos de educação escolar, não é apenas o campo do Ensino Médio, mas todo o processo de formação educacional, da Educação Infantil ao Ensino Superior . O que falta, então, é ampliar concepção marxiana de educação, uma vez decidido que seus fundamentos são inteiramente contemporâneos.
Não é difícil perceber que, embora Marx nunca deixasse de pensar que a formação das classes trabalhadoras não é possível sem práxis política, logo, sem formação política, falta a sua concepção explicitar essa dimensão. Portanto, às dimensões intelectual, corporal, tecnológica ou politécnica, acrescenta-se uma quarta: a dimensão política, para explicitar a intencionalidade marxiana.
A ampliação da definição do conceito original, todavia, não basta. De meados do século XIX ao momento atual, início do século XXI, a sociedade se transformou radicalmente em todas as suas esferas: na organização social, nas formas de Estado e governo, nos processos produtivos materiais, na ciência e na tecnologia. Duas coisas não mudaram de natureza, porque se aperfeiçoaram enormemente: os princípios do capitalismo e suas correspondentes formas de Estado e Governo.
Ora, a atualização da concepção marxiana de educação precisa acompanhar o desenvolvimento tanto da ciência e da tecnologia, quanto da sociedade com suas múltiplas formas de reprodução material e de suas correspondentes formas de Governo.
Assim, a atualização da concepção marxiana de educação, tendo por base suas quatro dimensões, passa pela formulação da politecnia como princípio pedagógico. Um princípio geral e não mais particular, a partir do qual se possam orientar os processos educativos a buscar o desenvolvimento integral das múltiplas capacidades humanas, tratando equilibradamente cognoscibilidade , habilidade, sensibilidade e sociabilidade (MACIEL e BRAGA, 2007; MACIEL, 2015).
A cognoscibilidade como desenvolvimento das dimensões lógico-cognitivas e psíquicas (onde o conhecimento científico e tecnológico seja determinante); a habilidade, enquanto expressão de capacidades psicomotoras e físicas (onde o esporte e a formação profissionalizante constituam suportes fundamentais); a sensibilidade como potencialização de todos os sentidos (onde a música, a dança, a literatura, o teatro e as artes visuais, gráficas e plásticas tenham lugar privilegiado); e a sociabilidade enquanto efetivo exercício político da práxis social (onde a cidadania participativo-transformadora, a ecologia humana crítica e a saúde tenham prioridade).
Assim, o processo de ampliação e atualização da concepção marxiana de educação, retira do trabalho como princípio educativo (um princípio mais abrangente, uma vez orientador dos processos educativos em geral) o princípio da politecnia como orientador dos processos pedagógicos no âmbito da educação escolar.
Politecnia, portanto, é o princípio pedagógico, que se fundamenta na concepção de que o homem é um ser histórico-cultural, constituído a partir de sua práxis social (na qual o trabalho é o fundamento determinante e a consciência sua expressão mais acabada), cuja consequência é o desenvolvimento potencial de múltiplas capacidades cognitivas, sensíveis, físicas e sociais determinantes de sua humanização integral.
Ora, um princípio pedagógico concebido com essas dimensões (cognoscibilidade, habilidade, sensibilidade e sociabilidade), que visam ao desenvolvimento omnilateral  do homem não pode ser posto em prática numa escola reduzida em tempo e em formação humana, motivo pelo qual esse princípio encontra seu locus privilegiado na educação integral.
Quando se fala hoje em educação integral, a quase totalidade dos estudos e pronunciamentos fala em tempo integral. Tempo integral não é educação integral. Educação integral é educação que visa à formação da pessoa humana em sua complexa rede de faculdades humanas. Nesse sentido, entende-se que somente a educação integral politécnica tem possibilidades de encarar esse desafio, pois não se trata somente da formação da discência, trata-se, igualmente, da formação da docência, senão como entender a célebre questão: E quem educa o educador? . Como fazer educação integral sem formação docente integral e, mais que isso, sem formação integral politécnica?
Esse é o grande desafio que se põe hoje para a escola pública e é o mais decisivo desafio que se coloca para a formação continuada e para a luta política dos trabalhadores em educação. A dimensão desse desafio pode ser medida pelos desafios postos nas duas primeiras seções desse texto e que serão sintetizados, agora, na conclusão.
PARA CONCLUIR: O PAPEL DOS EDUCADORES FRENTE AOS DESAFIOS DA EDUCAÇÃO INTEGRAL E DE SUA PRÓPRIA FORMAÇÃO NA AMAZÔNIA
Em síntese, pode-se concluir que o papel dos educadores frente à educação integral e a sua própria formação na Amazônia pressupõe, antes de tudo, o compromisso dos próprios educadores com a educação pública, no contexto explicito segundo o qual a educação pública, em particular a Educação Básica, é uma educação destinada às classes trabalhadoras em seus múltiplos seguimentos sociais.
Esse pressuposto tem um antecedente e um consequente: o antecedente é o reconhecimento do Estado e da Sociedade de classes, com tudo que isso representa; o consequente é a tomada de posição política e ideológica frente a esse Estado e a essa Sociedade.
A partir daí, fica mais visível perceber as contradições das políticas educacionais brasileiras para a escola pública: no período da revolução burguesa no Brasil, em particular entre 1930 e 1970, a escola pública se move sob a contradição qualidade versus restrição. Nesse período, a grande maioria dos filhos das classes trabalhadoras não tem acesso à educação básica, por um motivo simples e cruel: não havia vagas nem para uma pequena minoria. A escola pública é uma escola de qualidade para poucos, em particular para as classes médias.
O período que vai de 1972 a 2002, a escola pública se move sob a contradição desqualificação versus universalização. Nesse período, a grande maioria dos filhos das classes trabalhadoras tem acesso à educação básica, em especial ao ensino fundamental, que chega a 98%, mas essa universalização é a uma escola desfigurada, reduzida a salas de aula e a poucos equipamentos pedagógicos. É uma universalização desqualificada e os dados estatísticos são contundentes. Basta verificar nas referências apontadas.
O período que se inicia com o Plano Nacional de Educação de 2001, em particular a partir de 2007, a escola se move sob a contradição tempo integral versus educação integral, em cuja envergadura, para surpresa dos poucos que entendem dessa contradição, amplos setores sociais (Sindicatos, ONGs e Movimentos Sociais) acompanham, equivocada ou intencionalmente, o governo na proposta de tempo integral.
Entender esses três períodos, facilitar compreender porque a contradição fundamental da escola pública brasileira não reside entre o público e o privado (a rede privada brasileira, já se disse, foi criada para as classes médias e frações da burguesia), mas no interior da própria escola pública, quer se trate da contradição qualificação versus desqualificação, quer se trate das desigualdades Norte/Sul-Sudeste, quer se trate, ainda, do continumcentro-periferia.
Posicionar-se diante dessa realidade é uma decisão que não pode esperar, porque urge lutar contra a sujeição, a precariedade, a deterioração, a indignidade, a desumanidade, a incompetência, a instrução hierarquicamente rebaixada.
Mas para os educadores que vivem no norte do país, há ainda, o desafio de entender sua própria realidade. A Amazônia tem-se reconfigurado social, cultural e economicamente, a partir dos anos 1970. A formação sociocultural, que deu origem à tradicional sociedade cabocla, tem se transformado muito rapidamente, mesmo nas capitais mais antigas (Belém, Manaus, Rio Branco). O novo processo de ocupação humana da Amazônia, que já mudou o contexto sociocultural de alguns Estados (particularmente, Rondônia e Tocantins), mas com expansão para outras grandes áreas (Acre, Sul do Amazonas e Pará, Roraima) está a exigir desafios à formação docente, que extrapolam o domínio de conhecimentos especializados e formas ultrapassadas de organização sindical.
A dura via para a superação dos conhecimentos especializados se faz pelos caminhos da formação omnilateral, por um tipo de educação que possa proporcionar o desenvolvimento das múltiplas capacidades o humanas (contra a mutilação do desenvolvimento unilateral), por uma educação integral, que tenha por base uma práxis transformadora e vislumbre a emancipação humana. Nesse sentido, é que se apresentou a educação integral politécnica como alternativa às propostas oficiais.
E é na possibilidade efetiva de uma práxis transformadora que reside o outro lado da dura via de superação de formas ultrapassadas de organização sindical, baseadas no voluntarismo, no sectarismo ideológico, na liderança extraordinária, na cooptação interesseira, na mobilização desvinculada dos interesses da população afetada, no desconhecimento do poder contrário, na negação da capacidade arregimentadora das novas tecnologias de informação e comunicação, para citar algumas dessas características ultrapassadas.
Enquanto as ditas teorias – comprometidas com os interesses das classes trabalhadoras, no meio das quais se encontram professores e alunos da escola pública – não ganharem as ruas e seus interlocutores, tais teorias serão apenas mais um item na farta e rica mesa do currículo de seus criadores.
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Fonte: Assessoria


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