Voltar 30 de Outubro de 2015

Palestra: O federalismo e o Sistema Nacional de Educação - Sueli Veiga Melo


O federalismo e o Sistema Nacional de Educação
Uma oportunidade fecunda

CARLOS AUGUSTO ABICALIL*


RESUMO: O artigo retoma uma visão do federalismo cooperativo brasileiro, especialmente na garantia do direito à educação, reflete as recentes alterações nas emendas constitucionais nº 53, de 2006, e nº 59, de 2009, bem como levanta iniciativas relevantes em tramitação legislativa sobre o novo Plano Nacional de Educação e seus reflexos nas formas de colaboração específicas, envolvendo a atualização das ferramentas organizadoras, além de considerar as tendências em tensão na composição das políticas, refletidas em atos oficiais e em debate público sobre abrangências e efeitos vinculantes altamente impactantes, e a conformação de novas instâncias e colegiados de formulação, controle e pactuação setorial. Apresenta a relação de proposições concorrentes à conformação do Sistema Nacional de Educação, para subsidiar um debate público pela superação das desigualdades, respondendo aos objetivos da República e aos fins da educação e atualizando os horizontes nos 80 anos do Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova.

Palavras-chave: Federalismo e educação. Federalismo e sistema nacional de educação. Política educacional. Sistema nacional de educação.

Introdução

Aos 80 anos do Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova (AZEVEDO et al., 1932), a grandiosidade dos fins da educação nacional põe em relevo ainda mais acentuado a construção do Sistema Nacional de Educação (SNE). Em tempo de intensa mobilização pelo novo Plano Nacional de Educação (PNE), pela valorização profissional e pela prioridade efetiva em investimentos públicos adicionais para a promoção da qualidade socialmente referenciada, a releitura do chamado pacto federativo brasileiro é um exercício de alta densidade para costurar o tecido sobre o qual se bordará a antecipação do futuro.

A trajetória percorrida desde então não é linear (CURY, 2009). Intrinsecamente impactada pelos desenhos do projeto nacional de desenvolvimento de cada período, raramente se encontrou com condições institucionais tão promissoras quanto nesta geração. Conjugamos o mais duradouro período de vigência das liberdades democráticas, desde a Proclamação da República, com uma inequívoca afirmação da sociedade civil, desafiadora da cultura política fundada no patrimonialismo (MENDONÇA, 2000) e no fisiologismo, adicionada ao novo perfil brasileiro, no cenário das relações globais e na consolidação de um processo recente de crescimento econômico, com distribuição de renda e desconcentração da riqueza nacional, entre outros fatores marcantes.

A Conferência Nacional de Educação (Conae) (BRASIL, 2010b) constitui um marco setorial importante neste contexto, corolário de uma nova correlação de forças na construção das políticas públicas em âmbito nacional (ABICALIL, 2011a). Por sua vez, o Caderno de Resoluções do 31º Congresso da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE) traduz, desde a perspectiva da conjuntura ao plano de lutas, as marcas desse jogo de forças, que faz comemorar conquistas e pautar o novo patamar de disputas sociais (CNTE, 2011).

Ademais, a vitória substantiva, no Supremo Tribunal Federal (STF), em torno da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) sobre a Lei nº 11.738, de 2008, que instituiu o Piso Salarial Profissional Nacional (PSPN) do magistério público da educação básica, é passo seguro para fazer frente aos contornos da cláusula pétrea da autonomia federativa, visto as exigências de normatização nacional vinculante em torno dos objetivos da República, dos princípios da educação nacional, das ações distintivas de ação setorial prioritária e de seus efeitos em cada ente federativo. O pronunciamento da Corte Constitucional é peça importante para o delineamento das relações jurídico-políticas contemporâneas, que fazem parte daquele tecido conceitual sobre o qual se bordará o SNE (BRASIL, 2008b).

Entranhado no federalismo de cooperação entre os entes federados (ARAUJO, 2010), o SNE situa-se num estágio de conformação a partir do PNE, em debate no Congresso Nacional, ao mesmo tempo em que se expandem o direito público subjetivo e a obrigatoriedade na educação básica. Resulta dessa extensão, também, a inclusão da União na responsabilidade solidária, para fazer frente às obrigações do Estado brasileiro, diante do direito público subjetivo ampliado, segundo a Emenda Constitucional (EC) nº 59, de 2009: “Art. 211 §4º. Na organização de seus sistemas de ensino, 23 O federalismo e o Sistema Nacional de Educação: uma oportunidade fecunda Revista Retratos da Escola, Brasília, v. 6, n. 10, p. 21-37, jan./jun. 2012. Disponível em: a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios definirão formas de colaboração, de modo a assegurar a universalização do ensino obrigatório.” (grifo nosso).

Essa consideração inicial não é desprovida de significação importante para dar segmento e consequência às disposições alteradas anteriormente, na ampliação do financiamento compartilhado da educação básica e da abertura para a regulamentação – em lei complementar específica – da cooperação federativa prevista no art. 23 da Constituição Federal:

Art.23 – É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios:

V – promover o acesso à cultura, à educação e à ciência;

Parágrafo Único – Leis complementares fixarão as normas para a cooperação entre a União e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, tendo em vista o equilíbrio do desenvolvimento e o bem-estar em âmbito nacional. (BRASIL, 1988).

Há quem trate como mera minudência nominalista ou apego à tradição legalista, porém mesmo quem sustenta a tese de que o SNE está dado a partir da concepção de princípios e ordenamentos constitucionais e de diretrizes e bases da educação nacional em lei sugere uma repartição das tarefas operacionais (por exemplo: transporte, alimentação escolar e manutenção de prédios como competências municipais; contratação de profissionais da educação básica como competência dos estados; e formação inicial e continuada realizada pela colaboração entre os estados e a União) e aposta nessa oportunidade para estabelecer uma nova pactuação das responsabilidades (SAVIANNI, 2011a), que, para aquele, prescinde de lei complementar e, para este autor, reivindica-a, tendo em vista a ocorrência real da organização e manutenção de redes públicas e compromissos de manutenção e desenvolvimento de ensino nos três âmbitos.

À luz do novo ordenamento constitucional, o SNE é derivação do PNE, conforme se pode ler:

Art. 214. A lei estabelecerá o plano nacional de educação, de duração decenal, com o objetivo de articular o sistema nacional de educação em regime de colaboração e definir diretrizes, objetivos, metas e estratégias de implementação para assegurar a manutenção e desenvolvimento do ensino em seus diversos níveis, etapas e modalidades por meio de ações integradas dos poderes públicos das diferentes esferas federativas que conduzam a:

I – erradicação do analfabetismo;

II – universalização do atendimento escolar;

III – melhoria da qualidade do ensino;

IV – formação para o trabalho;

V – promoção humanística, científica e tecnológica do País.

VI – estabelecimento de meta de aplicação de recursos públicos em educação como proporção do produto interno bruto. (BRASIL, 1988).

Há, pois, um imperativo constitucional, com propósitos descritos nos incisos I a VI, cujo método supõe ações integradas dos poderes públicos das diferentes esferas administrativas e cujo processo é resultante da colaboração em torno de um plano nacional, definido por diretrizes, objetivos, metas e estratégias de implementação, para assegurar o direito à educação e seus desdobramentos nos planos estaduais, distritais e municipais consentâneos. Impossível, assim, dissociar o plano de sua capacidade de articular o sistema.

Igualmente, é imperativo resguardar o conceito de SNE com as características intrínsecas ao seu caráter ontológico, essencialmente público e unitário, considerada a variedade de seus elementos e a sua unidade coerente e operante (SAVIANI, 2011a). O próprio Saviani (2011a) relaciona quatro grandes campos de obstáculos à efetivação do sistema nacional, redimensionados, agora, pelas deliberações da Conae e pela tramitação do Projeto de Lei (PL) nº 8.035, de 2010 (PNE).

Além disso, ainda que concordemos que o objeto central da disputa para a implantação do SNE esteja menos na forma de organização e mais na concepção de educação (GRACINDO, 2010), sem reduzir o debate ao nominalismo ou ao positivismo jurídico, impõe-se a atenção em relação ao vigor do movimento social e ao rigor da lei na formulação da política. Vale considerar que é tal a centralidade dessa disputa conceitual que o próprio Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social da Presidência da República (CDES) listou-a entre os principais desafios que o Brasil terá de enfrentar (SPELLER, 2010), notadamente, na consideração dos dados educacionais e fiscais relacionados pelo Observatório da Equidade.

Ganham destaque, por outro lado, as formulações de avanço na composição de instâncias interfederativas de decisão, formulação e decisão operacional (ABRUCIO, 2010) – mais visível como pleito e inovação no nível da educação básica (MARTINS, 2011) –, e de controle, acompanhamento e participação democrática. No entanto, além das medidas de coordenação federativa, necessário será avançar na normatização das responsabilidades compartilhadas entre os entes federados (ARAUJO, 2010), assim como na retomada de iniciativas de políticas nacionais que resguardem o protagonismo da ação pública (BALDIJÃO; TEIXEIRA, 2011) e as novas e ampliadas dimensões, para enfeixar – em perspectiva – os ordenadores do financiamento e da democratização da gestão da educação no PNE (DOURADO; AMARAL, 2011).

Assim, é possível perceber passos marcantes da trajetória mais recente, que confirmam a oportunidade fecunda desse momento histórico: não ficarmos trancados nos fatos, mas (a)diante deles.

Mergulhando no PL nº 8.035

Há diversas frentes de trabalho no acompanhamento e na avaliação do processo de tramitação do PL nº 8.035, de 2010; um desses trabalhos de fôlego acadêmico e ânimo militante encontra-se na publicação Plano Nacional de Educação (2011-2020): avaliação e perspectiva (DOURADO, 2011).

A tramitação, até o presente momento, produziu inúmeras audiências públicas, quase três milhares de iniciativas de emendas, dois substitutivos, 155 destaques para votação e um complemento de voto aprovado, em 13 de junho de 2012, pela Comissão Especial da Câmara dos Deputados, encarregada de sua análise, ressalvados os destaques. Entretanto, para efeito deste artigo, o recorte de consideração será atinente ao objeto SNE: precedentes recentes, instâncias propostas, referências, competências de organismos, vinculações, prazos e providências.

Há 18 meses em tramitação, o PL que aprova o PNE para o decênio 2011/2020 e dá outras providências traz referências importantes ao SNE e à conformação de seus elementos, de maneira explícita ou por referência remota, em diversas ocasiões. Também, há o emprego da expressão ‘sistema’ com conotações e abrangências distintas. Herdando o uso comum dessa expressão, ora substitui a política setorial de formação profissional, ora a organização e regulação de exames ou processos avaliativos, ora se refere a qualquer forma organizada de ação ou programa, sem maior rigor na sua aplicação, basta observar a redação dada ao art. 11, na Complementação de Voto:

Art. 11. O Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica, coordenado pela União, em colaboração com os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, constituirá fonte básica de informação para a avaliação da qualidade da educação básica e para orientação das políticas públicas necessárias.

§ 1º O sistema de avaliação a que se refere o caput produzirá, no máximo a cada dois anos: [...]. (BRASIL, 2012a, grifo nosso).

Outro exemplo pode ser visto na meta 13:

Meta 13: Elevar a qualidade da educação superior pela ampliação da propor- ção de mestres e doutores do corpo docente em efetivo exercício no conjunto do sistema de educação superior para setenta e cinco por cento, sendo, do total, no mínimo, trinta e cinco por cento de doutores. (BRASIL, 2012a, grifo nosso).

Ainda, tem-se a estratégia 16.2: 16.2

Consolidar política [sistema] nacional de formação de professores e professoras da educação básica, definindo diretrizes nacionais, áreas prioritárias, instituições formadoras e processos de certificação das atividades formativas. (BRASIL, 2012a).

A primeira compreensão de “sistema nacional” citada é atribuída a uma tarefa de avaliação de abrangência nacional atinente ao nível da educação básica, alcançando as etapas e modalidades, e à concepção de instrumentos de aferição de rendimento escolar, gestão institucional, confecção de índices e de indicadores, aplicação de exames etc. A segunda menção, entretanto, refere-se ao conjunto de instituições ofertantes de ensino superior, independentemente de seu vínculo aos sistemas estaduais ou ao sistema federal de ensino, nas tarefas de credenciamento, autorização e reconhecimento de cursos, normatização, fiscalização e avaliação institucional, por exemplo. A terceira aplicação do termo tem mais afinidade com a formulação de uma política nacional de formação, coerente ou não com aquela já concebida na atual gestão do Ministério da Educação (BRASIL, 2009b).

Essas considerações imprecisas informam a dimensão da tarefa de conceber um SNE que faça frente à profusão do uso do termo ‘sistema’, depure-o, ao mesmo tempo que seja suficientemente largo para absorver os diversos sistemas de ensino, nas competências federativas e responsabilidades públicas, e, ainda, tenha a extensão adequada do termo ‘educação’, à luz da Constituição Federal e do art. 1º da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional: “A educação abrange os processos formativos que se desenvolvem na vida familiar, na convivência humana no trabalho, nas instituições de ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e organizações da sociedade civil e nas manifestações culturais.” (BRASIL, 1996).

Por essa razão, não é concebível a formulação do PNE em lei que não faça qualquer menção ao SNE. Quando muito, o texto do PL nº 8.035, de 2010, menciona que a consecução das metas e a implementação das estratégias deverão ser efetivadas em regime de colaboração entre a União, os estados, o Distrito Federal e os municípios, não elidindo a adoção de medidas adicionais em âmbito local ou de instrumentos jurídicos que formalizem a cooperação entre os entes federados, podendo ser complementados por mecanismos nacionais e locais de coordenação e colaboração recíproca (BRASIL, 2010a, art. 7º, § 1º).

É inadequado pensar que o imperativo constitucional do sistema nacional possa ser atendido por esse dispositivo tão impreciso. Menos inteligível ainda é considerar que o próprio PL institui o Fórum Nacional de Educação (FNE) e as Conaes, com atribuições específicas sobre o PNE. Essas constatações levaram à apresentação de emendas ao PL, com muitas feições distintas, sobre a instituição ou uma caracterização mais consistente do SNE. Os substitutivos sucessivos, por sua vez, trouxeram versões distintas dessa tensão. A última forma, entretanto, submetida à deliberação da Comissão Especial da Câmara dos Deputados apresenta uma redação prospectiva e desafiadora, que parece estar mais adequada à complexidade do tema, conforme já defendia este autor no âmbito do FNE, durante reunião em setembro de 2011.

Nesse contexto, vale observar:

Art. 13. O poder público deverá instituir, em Lei específica, contados dois anos da publicação desta Lei, o Sistema Nacional de Educação, responsável pela articulação entre os sistemas de ensino, em regime de colaboração, para a efetivação das diretrizes, metas e estratégias do Plano Nacional de Educação. (BRASIL, 2012a).

Pois bem, ainda que seja feita essa referência, o relator não suprimiu as remissões ao FNE e às Conaes. Além disso, apontou a “adoção de arranjos de desenvolvimento da educação” entre os municípios e a criação de um “Fórum Permanente” para o acompanhamento da atualização progressiva do PSPN do magistério público da educação básica, acrescidos do que chamou “instância permanente de negociação e cooperação entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios” (BRASIL, 2012a). Manteve, por outra parte, a competência de monitoramento contínuo e das avaliações periódicas da execução do PNE e do cumprimento de suas metas aos cuidados do Ministério da Educação, das Comissões de Educação, da Câmara dos Deputados, do Senado Federal e do Conselho Nacional de Educação, acrescentando as competências para divulgar resultados, analisar e propor políticas para a implementação das estratégias e o cumprimento de metas, analisar e propor a revisão do percentual de investimento público em educação.

Em se tratando do plano plurianual definido em lei, obviamente, as prerrogativas das casas do Congresso Nacional são indelegáveis. De fato, a menção às comissões responsáveis por educação em cada Casa reforça seu vínculo específico na matéria do PNE, exigindo expressão própria, distinguida, portanto, sobre outras matérias relativas a planos plurianuais. Ora, vejamos, então, que alguns contornos do SNE a ser criado em lei, até dois anos depois da sanção do PNE, estão delineados e merecerão atenção para compatibilizar suas atribuições com organismos já existentes, instâncias normativas, de controle e acompanhamento já implementadas, formas de colaboração já regulamentadas e outras em debate legislativo concomitante. Merece destaque, nesse sentido, a Comissão Intergovernamental para o Financiamento da Educação Básica de Qualidade, no âmbito do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb) (ABRUCIO, 2010).

Um complexo sistema de sistemas

Longe de pretender alcançar o melhor mosaico neste artigo, ousamos propor um exercício de relações hipotéticas entre tais organismos, numa tentativa de vislumbrar a materialidade deles, sem entrar no mérito de sua funcionalidade ou eficiência frente aos fins da educação nacional – como é claro para os leitores, a centralidade da educação básica é intrínseca, mas não pode ser exclusiva.

Assim, se fôssemos relacionando, primariamente, o esboço do sistema nacional proposto, teríamos, entre organismos criados em lei de abrangência nacional e propostos pelo relator do PNE, os seguintes organismos:

I. No âmbito nacional:

a. Ministério da Educação e três autarquias vinculadas – Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) e Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes);
b. Conselho Nacional de Educação;
c. Comissão Intergovernamental para o Financiamento da Educação Básica de Qualidade;
d. Conselho de Acompanhamento e Controle do Fundeb;
e. Comitê Nacional do Compromisso Todos pela Educação;
f. Fórum Nacional de Educação;
g. Conferência Nacional de Educação;
h. Instituições federais de educação profissional e tecnológica e de ensino superior;
i. Instituições privadas de ensino superior.

II. No âmbito dos estados e do Distrito Federal:

a. órgão responsável pela administração da rede estadual;
b. órgão normativo de seu sistema;
c. instituições estaduais de educação básica e superior;
d. instituições privadas de ensino fundamental e médio, no seu âmbito, e de educação infantil, onde não houver sistema municipal criado;
e. instituições privadas de educação profissional e tecnológica;
f. instituições municipais de ensino dos municípios que não tiverem criado seu próprio sistema em lei ou tiverem optado por constituir sistema único;
g. Conselho Estadual de Acompanhamento e Controle do Fundeb;
h. Conselho Estadual de Alimentação Escolar.

III. No âmbito municipal:

a. órgão responsável pela administração da rede municipal;
b. órgão normativo de seu sistema (se houver sistema municipal);
c. instituições municipais de educação básica;
d. instituições privadas de educação infantil, no seu âmbito (quando houver sistema municipal criado);
e. Conselho Municipal de Acompanhamento e Controle do Fundeb;
f. Comitê Local do Compromisso Todos pela Educação;
g. Conselho Municipal de Alimentação Escolar.

Este é o desenho obrigatório, mas não exaustivo, sendo provável a ocorrência de outras instâncias e nomenclaturas diferentes para organismos e competências correlatos. O fato é que não há uma relação direta e simples entre a atribuição dos sistemas e níveis de ensino, ou de vínculo da rede pública com um e da rede privada com outro, ou de alguma modalidade de oferta com um ente federativo específico. Há, sim, uma interpenetração que guarda vínculos cruzados com o ente que mantém redes em cada nível de ensino e a rede privada, de acordo com a etapa e nível de educação que estes ofertam, com sistemas diferentes. O relatório do PNE não vincula fóruns e conferências estaduais, distritais e municipais aos planos e aos sistemas nesses níveis, por exemplo. A vinculação é sempre com o PNE, o que pode representar mais uma fragmentação.

É inescapável, portanto, falar de um sistema de sistemas e de uma complexa relação entre órgãos, instituições e instâncias diversos. Poderíamos agregar a esse fato a operacionalização recente dos Comitês Estratégicos da Política Nacional de Formação Inicial e Continuada dos Profissionais da Educação (BRASIL, 2009b) e do Plano de Ação Articulada (BRASIL, 2012a). Há de se incorporar, ainda, a reiterada consideração de organizações civis de caráter privado, representativas de segmentos partícipes da educação escolar – CNTE, Conselho dos Secretários de Estado de Educação (Consed) e União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime), por exemplo –, mencionadas em lei (BRASIL, 2007), em relação a assentos em instâncias de controle e de decisão, sem que se houvesse questionado o princípio da impessoalidade, dada sua legitimidade. O mesmo fenômeno pode ter se reproduzido em legislações estaduais e municipais. Tendencialmente, outras organizações civis de igual natureza poderão ascender à mesma condição de menção em lei, como a União Nacional dos Conselhos Municipais de Educação (Uncme), o Fórum Nacional dos Conselhos Estaduais de Educação (FNCEE), a União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (Ubes), a União Nacional dos Estudantes (UNE), os sindicatos de profissionais da educação superior, entre outras.

No âmbito da reforma do nível superior, há a tentativa da realização, a cada quatro anos, da Conferência Nacional de Educação Superior, prevista pelo artigo 51 do Projeto de Lei nº 7.200, de 2006, que se encontra estacionado na Câmara dos Deputados.

Também está presente a relação obrigatória entre a conformação do SNE, as normas da cooperação federativa e o regime de colaboração entre os sistemas de ensino. Na seara da disputa pública, não se pode desconsiderar, igualmente, a pressão política pelo estabelecimento da responsabilidade educacional (BRASIL, 2006c) – com 15 projetos em tramitação conjunta e sua associação às chamadas expectativas de aprendizagem, ao estabelecimento de currículo mínimo nacional – e, em outros tantos projetos de lei, da federalização da oferta de “educação de base” (BRASIL, 2006c) e de regulamentação dos artigos 23 e 211 da Constituição Federal, com status de Lei Complementar (BRASIL, 2011a), entre as mais diversas (em alguns casos, adversas) proposições em debate.

A seleção de atenções guarda direta relação com os temas atinentes aos contornos apontados para o sistema nacional de educação, a cooperação federativa e a colaboração entre sistemas de ensino, não somente por suas ementas oficiais, mas, e especialmente, por seus conteúdos.

Cabe retomar uma característica fundamental do pacto federativo, na educação escolar: a coexistência coordenada e descentralizada de sistemas de ensino sob o regime de colaboração recíproca. Com unidade; com divisão de competências e responsabilidades; com diversidade de campos administrativos; com diversidade de níveis de educação escolar; com assinalação de recursos vinculados (CURY, 2009).

Assim, a preservação de condições essenciais de afirmação do SNE deve levar em conta os fios em movimento nesse tecido. O aprofundamento da fragmentação e da dispersão não é desejável. O cenário da decisão política ainda está enredado por iniciativas fragmentadas, que interferirão intensamente na sua composição. Não apenas nas matérias concorrentes, cuja seleção temática procurei apresentar.

Conclusão

À guisa de conclusão, é imperativa a retomada do que titulei “proposta embrionária” (ABICALIL, 2011b), atualizá-la à luz das resoluções da Conae, das referências incorporadas à Complementação de Voto do relator do PNE, das propostas formalizadas em iniciativas legislativas, da reflexão em curso no âmbito do Conselho Nacional de Educação, na Secretaria de Articulação com os Sistemas de Ensino do MEC, nos ambientes acadêmicos e na sociedade civil e constituir os espaços de diálogo, organizados em torno do objetivo de aproveitar essa oportunidade fecunda.

Essa visão é confirmada, ainda mais intensamente, com a notícia de que o FNE, instituído em dezembro de 2010, prepara a próxima Conae, cujo processo de mobilização se iniciará no primeiro semestre de 2013. Reitero com Saviani:

Sem desconsiderar a importância de iniciativas dos entes federativos na realização do regime de colaboração exemplificadas pelos casos do Mato Grosso (ABICALIL e CARDOSO NETO, 2010), do Rio Grande do Sul (LUCE e SARI, 2010) e do Ceará (VIEIRA, 2010), penso que devemos caminhar resolutamente na via da construção de um verdadeiro sistema nacional de educação, isto é, um conjunto unificado que articula todos os aspectos da educação no país inteiro, com normas comuns válidas para todo o território nacional e com procedimentos também comuns visando a assegurar educação com o mesmo padrão de qualidade a toda a população do país. Não se trata, portanto, de se entender o sistema nacional de educação como um grande guarda-chuva com a mera função de abrigar 27 sistemas estaduais de ensino, incluído o do Distrito Federal, o próprio sistema federal de ensino e, no limite, 5.565 sistemas municipais de ensino, supostamente autônomos entre si. Se for aprovada uma proposta nesses termos, o sistema nacional de educação se reduzirá a uma mera formalidade mantendo-se, no fundamental, o quadro de hoje com todas as contradições, desencontros, imprecisões e improvisações que marcam a situação atual, de fato avessa às exigências da organização da educação na forma de um sistema nacional.

Em suma, é preciso instituir um sistema nacional em sentido próprio que, portanto, não dependa das adesões autônomas e ‘a posteriori’ de estados e municípios. Sua adesão ao sistema nacional deve decorrer da participação efetiva na sua construção submetendo-se, em consequência, às suas regras. Não se trata, pois, de conferir a estados e municípios, a partir dos respectivos sistemas autônomos, a prerrogativa de aderir ou não a este ou àquele aspecto que caracteriza o sistema nacional. E não cabe invocar a cláusula pétrea da Constituição referente à forma federativa de Estado com a consequente autonomia dos entes federados. Isso porque o sistema nacional de educação não é do governo federal, mas é da Federação, portanto, dos próprios entes federados que o constroem conjuntamente e participam, também em conjunto, de sua gestão.

Concebido na forma indicada e efetivamente implantado o Sistema Nacional de Educação, seu funcionamento será regulado pelo Plano Nacional de Educação ao qual cabe, a partir do diagnóstico da situação em que o sistema opera, formular as diretrizes, definir as metas e indicar os meios pelos quais as metas serão atingidas no período de vigência do plano definido, pela nossa legislação, em dez anos. (SAVIANI, 2011b, p. 16-17).

Além de tratar competências comuns, considero as condicionalidades para o exercício das autonomias e da complementaridade, em cada âmbito federativo interdependente. Com a nova redação constitucional, a educação básica (especialmente, no âmbito obrigatório) é competência comum das três esferas da administração, ultrapassando os limites administrativos das redes. Mais do que a divisão de competências, a normatização das condicionalidades operativas determina as formas e critérios da cooperação em cada uma. O princípio de complementaridade supõe a clareza na definição de normas operacionais básicas vinculantes – já presentes no Sistema Único de Saúde (SUS)9 e no Sistema Único de Assistência Social (Suas)10 –, a partir das quais se estabelecem o exercício da autonomia relativa, por um lado, e da cooperação federativa, por outro. Acredito que seja próprio falar da hierarquização das atribuições e competências (para além das legislativas), previstas na Constituição e na Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), colocando luzes sobre os significados operacionais diferentes para as tarefas distributivas e supletivas, no financiamento (e à União, particularmente) e na assistência técnica e financeira da União e dos estados, frente às condições de realização do direito à educação, em meio à diversidade e à desigualdade entre os diversos entes federados. Como a organização da educação nacional não se deu meramente por níveis ou etapas, nem automaticamente pela administração direta de redes públicas ou da vinculação normativa das instituições privadas, alguma ordem é reclamada, para não se submeter à simples concorrência de competências, à luz da consideração da educação como direito universal e da educação básica como direito público subjetivo. Se entendida assim, o passo para a construção de um sistema nacional deve considerar, no caso brasileiro (além de quem faz o que): sob quais condições faz; com que mediações de complementaridade e assistência; com que reciprocidade normativa; com que transitoriedades; sob qual regramento; e por deliberação de que órgão instância ou ente? Vale lembrar que também se aplica no Brasil o princípio da subsidiariedade, muito bem exemplificado pelo Programa Universidade para Todos (Prouni)11, Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (Pronatec)12, Programa Nacional de Educação do Campo (Pronacampo)13, Certificação das Entidades Beneficentes da Assistência Social (Cebas)14, Política Nacional de Formação (PNF)15, e variadas ações coordenadas e financiadas por diversos órgãos públicos, nas três esferas de governo. Há matéria suficiente para burilar, como tarefa comum. Recebido e aprovado em julho de 2012

*Mestre em Educação. Ex-Presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação - CNTE (1995-2002). Foi Consultor no Senado Federal. Atualmente é Director General de Programas Educativos y Culturales da Organización de Estados Iberoamericanos - OEI.

Texto publicado na Revista Retratos da Escola, Brasília, v. 6, n. 10, p. 21-37, jan./jun. 2012. Disponível em: www.esforce.org.br

Fonte: Assessoria


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