Valorização dos profissionais da educação:
Formação, carreira, salários e condições de trabalho
GILMAR SOARES FERREIRA*
Há que se cuidar do broto,
Para que a vida nos dê flores...e frutos!
(Milton Nascimento)
Resumo: O presente artigo trata da questão da valorização profissional como resultante da aplicação de vários fatores que, interligados, formam a base do profissionalismo do educador brasileiro. Focado no horizonte da aprendizagem, o artigo aponta para os diversos desafios a serem enfrentados pelos entes federados, pelos profissionais e pelasociedade, a partir de melhores condições de trabalho aos profissionais da educação.
Palavras-chave:Aprendizagem em nossas escolas;Leitura de mundo;Valorização profissional;Carreira;Jornada;Salário;Formação;Condições de trabalho.
Introdução
Falar e escrever sobre valorização dos profissionais da educação é tocar em questões que dizem respeito diretamente à dignidade do profissional, seja ele professor ou funcionário de escola, e ao seu enorme desafio de ser presença significativa na vida de milhões de estudantes e suas famílias.
A valorização dos profissionais da educação foi, é e continua sendo um tema central da educação escolar pública como prevista na Constituição Federal (CF) Brasileira de 1988. O próprio art. 206, inciso V, da CF envolve um conjunto de fatores que, interligados, nos oferecem a possibilidade de desenho de uma educação e de escola de tempo integral, quase única saída para interpormos recurso urgente na trajetória de uma escola pública que não consegue ensinar adequadamente e proporcionar aos estudantes as condições reais de inserção no mundo e a transformação das realidades que lhes tiram a vida.
Essa temática desafia-nos por meio de vários olhares, mas, considerando a realidade que envolve a escola, os pais e mães dos estudantes e, principalmente, os profissionais da educação, quero destacar um olhar em especial: o olhar “da” e “sobre” a aprendizagem. Quando falamos em aprendizagem, entendida como possibilidade real de leitura e interpretação do mundo, seus códigos, signos e significados (FREIRE, 1996), falamos de fatores que são fundamentais para que ela aconteça, sendo um dos mais importantes desses fatores a existência de condições para que esses profissionais possam desenvolver satisfatoriamente seu trabalho.
Como pai, angustiei-me e ainda me angustio por várias vezes ao ver meus filhos debaterem-se com as questões de aprendizagem, com as dificuldades que esse período oferece, mas, no fundo, minha angústia tem sido presenciar que a escola que meus filhos e os filhos da maioria da população brasileira frequentam, pública por opção e também por necessidade, não reúne, em termos de projeto pedagógico, condições de infraestrutura escolar e qualificação profissional e salarial dos profissionais da educação, a fim de tornar a aprendizagem significativa e uma experiência plena de alegria e felicidade, ou seja, de autorrealização. Fato é que, tanto para os profissionais quanto para os estudantes, o ato de ensinar e aprender, que em si deveria ser uma descoberta das potencialidades pessoais e autorrealização, para algumas pessoas, pelas condições existentes, vem se traduzindo numa experiência de bloqueios e ressentimentos, com sequelas na vida dos envolvidos (MORGADO, 1995).
Como dirigente sindical, nesse início do ano de 2013, tenho me debatido com questões que já deveriam ter sido superadas no âmbito da valorização profissional, especialmente na questão salarial. Nesse início da nova gestão administrativa dos municípios, impressiona o número de municípios que estão à volta com atraso de salário dos profissionais da educação. Como explicar tal situação? Como explicar que professores e funcionários de nossas escolas, que cuidam de nossas crianças e adolescentes, de nossos “brotos”, como afirma a canção de Milton Nascimento, precisam fazer greve para receber salários rebaixados e, pior, atrasados?
Trabalharei, neste artigo, a questão da valorização dos profissionais da educação como resultante que abarca a formação, carreira, jornada, salários e condições de trabalho, ou seja, para falar de valorização profissional, não há como se desvencilhar desses temas que, com a gestão democrática, compõem a base do profissionalismo dos educadores (VIEIRA, 2008). Para que o profissional da educação seja valorizado, tem que estar subsidiado por esse substrato, sem o qual as condições para a aprendizagem estarão comprometidas.
A partir dessa concepção, buscarei analisar, ao longo do texto, a relação entre a valorização e a relação ensino-aprendizagem, no sentido de apontar os desafios atuais do tema. Nesse sentido, relatarei e analisarei quatro situações vivenciadas no âmbito de minha experiência de pai e profissional da educação, mas também como dirigente sindical que busca compreender as causas e consequências dos ínfimos resultados da aprendizagem em nossas escolas. De fato, a ênfase dada aos fatores que envolvem a valorização dos profissionais da educação revela se teremos sucessos ou fracassos na relação ensino-aprendizagem.
1 Que realidade desafia-nos enquanto profissionais da educação?
Primeira situação
Me sinto cansado, não tenho mais pique para suportar estes alunos. [Eles] Não querem nada com nada, só querem saber de bagunçar. São desobedientes e não respeitam mais o professor. Por esta situação, estou buscando uma saída para mudar de profissão. (Professor L.R.S. após uma aula em que um grupo de meninas e meninos combinou táticas de tirar o professor do sério. Detalhe: eles conseguiram com que o professor, por um momento, deixasse a sala para refrescar a cabeça na coordenação da escola).
Segunda situação
A reclamação é geral na escola: “Esses meninos, a cada dia que passa, estão insuportáveis”. A reclamação acerca do comportamento dos alunos vem dos funcionários de uma escola pública urbana em Várzea Grande, Mato Grosso. Numa rápida conversa com a técnica em segurança (agente de pátio sem profissionalização), o desabafo dá conta de crianças e adolescentes que a desafiam no relacionamento: “Esses meninos são mal-educados, falam palavrões, xingam a gente o tempo todo. E se você não for esperto, eles passam por cima da gente. Não sei onde a gente vai parar.”
A técnica em nutrição escolar (servidora com contrato temporário, ganhando salário-mínimo e sem profissionalização) é categórica:
Eles não têm respeito pelas pessoas nem pelos alimentos. Não sabem quanto custa esses pratos para ficarem brincando de disco voador [prática de arremessar pratos de plástico]. Também não sabem colocar no prato somente aquilo que vão comer. Enchem o prato e depois largam com alimento e em qualquer lugar. E olha que todos os dias nós estamos orientando como proceder. Não é falta de falar, eu já estou cansada e quase desistindo de tudo.
Já a técnica em manutenção e infraestrutura escolar afirma:
Eu fico indignada com a falta de educação desses meninos e pode incluir as meninas também. Elas não ficam de fora. Nem bem acabamos de limpar e já está tudo sujo. Jogam papel no chão, não sabem colocar nada no local indicado do lixo. E a bola? Esses meninos a todo momento e em todo lugar estão correndo atrás de uma bola.
Terceira situação
O aluno R.D.F. (6 anos) cursa o primeiro ano do ensino fundamental na escola municipal. Nos primeiros dias de aula, segundo relato da mãe, o menino sentiu muitas dificuldades de se inteirar do conteúdo e de se relacionar, principalmente com a professora, diferentemente do que acontecia na educação infantil. Agora, era o último a sair da sala, pois não conseguia copiar do quadro no mesmo tempo que os coleguinhas. Nos últimos dias, relatou a mãe, ao ver os coleguinhas saírem depois de terminada a tarefa, R.D.F. teve crises de choro. Numa rápida investigação, a mãe observou uma sala de aula com mais de 30 alunos; também observou que a professora chegava 10 minutos atrasada à sala, uma vez que tinha outra jornada de trabalho, e ainda frequentava um curso de especialização; por isso, necessitava se deslocar rapidamente da primeira escola para sua casa, depois para a segunda escola e, ao final, apressar-se também para chegar ao curso.
Quarta situação
Um grupo de professores recém-concursados na rede estadual de Mato Grosso e lotados em uma escola de ensino médio inovador desenvolve um projeto pedagógico de experiências de campo na meteorologia, na medição do tempo, com aprovação e recursos do órgão central e vários prêmios pelo Brasil. Acontece que o grupo envolvido no projeto está em rota de colisão com a equipe gestora da escola, que não aceita as saídas dos alunos da escola e dos próprios profissionais para as aulas de campo. Nesse caso, as denúncias são de constrangimento diante de toda a comunidade escolar, ameaças por estarem em estágio probatório e assédio moral. Na denúncia, já consta boletim de ocorrência registrado pelos educadores envolvidos. Os profissionais envolvidos já cogitam desistir do projeto, alegando estar desestimulados, por não verem suas denúncias serem apuradas e lhes faltar apoio na escola, principalmente da equipe gestora.
Muitos outros relatos serviriam para elucidar o diagnóstico sobre a realidade em que atuam os profissionais da educação em nossas escolas públicas e em nosso país. Em cada relato, um universo de possibilidades de análise abre-se, podendo nos levar a entender as dificuldades e os desafios que vivem esses profissionais em nossas escolas.Para continuar nossa reflexão e chegar a eles, é preciso considerar o contexto histórico que envolveu a educação e a valorização profissional desde os primórdios de nossa nação brasileira.
2Nosso contexto histórico na valorização dos profissionais da educação
Uma primeira dificuldade está relacionada com a nossa origem de nação: a colonização portuguesa. A negação do direito à educação (levamos 50 anos para ter a primeira escola primária no Brasil) também proporcionou a negação da existência do professor, do funcionário da escola e, portanto, de um processo de valorização profissional, uma vez que a escola não existia (MONLEVADE, 2000).
Por conseguinte, os 200 anos do ensino jesuítico no Brasil também negou um processo de valorização profissional na educação ao estabelecer o sacerdócio jesuíta como professor e o irmão coadjutor como funcionário da educação. Originou-se, a partir desse fato, uma visão da atuação do professor como “missão”, estabelecendo uma referência simbólica para a condição futura do exercício profissional (VIEIRA, 2007),que, associada a outras condicionantes históricas desse período, não possibilitou lograr na profissão o reconhecimento profissional digno de sua sobrevivência, a começar pelo salário.
A era do Marquês de Pombal (MONLEVADE, 2000) deu início ao terceiro processo político de (não)valorização profissional na educação do Brasil, tendo sido a marca principal a desresponsabilização do poder central (hoje, ente federal) na manutenção e desenvolvimento do ensino, delegando a responsabilidade para as províncias e municipalidades (VIEIRA, 2007). Derivou daí todo um processo de flexibilização da contratação de mão de obra para a incipiente escola pública provincial e local, em que o apadrinhamento político foi a linha mestra da provisão de pessoal, o que subsiste até nossos dias em muitos sistemas educacionais estaduais e municipais de ensino.
Em que pese todo um processo de estabelecimento de liceus e escolas públicas, com significativa valorização dos educadores para atendimento de pequena parcela da população nos primeiros 50 anos do século passado, tivemos ao longo da história do Brasil – o que não é diferente nos dias atuais – legislações que afirmavam o dever do Estado de ofertar educação e de valorizar seus profissionais, mas com pouco lastro de concretude na prática administrativa de nossos entes. De fato, nossas leis são compostas de fundamentos e princípios, mas sempre necessitam de regulamentações e, mais, carecem de apontar as fontes para a sua subvenção financeira; podemos citar como exemplo a Lei nº 11.738, de 2008, que instituiu o Piso Salarial Profissional Nacional (PSPN) dos professores.
Invariavelmente, os problemas de nossas legislações situam-se na sua regulamentação, a qual acontece com relativo atraso e está permeada de definições que, por vezes, desvirtuam o próprio princípio constitucional.A CF de 1988 é exemplo dessa condição; basta, para isso, observar o objeto principal pelo qual a Conferência Nacional de Educação (CONAE) 2010 e, agora, a CONAE 2014 pautam-se: a instituição de um Sistema Nacional de Educação, tendo por base a regulamentação do art. 23 da CF, que há 25 anos é reclamada pela população brasileira, mas sem resultado concreto na educação pública do país.
Valorização profissional e a noção de profissionais da educação
Um tema que nos desafia enquanto concepção é a noção de profissionais da educação. Nossa legislação favorece uma grande confusão: pontua-se apenas nominalmente o conceito de profissionais da educação, porém, em termos de prática e política educacional, em geral, as políticas de valorização profissional são reduzidas apenas ao magistério, aos docentes; basta olhar a CF, a Lei de Diretrizes e Bases (LDB) e, agora, o próprio projeto de lei do Plano Nacional de Educação (PNE) e seus relatórios. Os deslizes não são poucos. Constantemente, em que pesem os esforços de muitos, ao abordar o tema da valorização profissional, remetemo-nos à valorização dos professores. Nas legislações e legislaturas, bem como no próprio Supremo Tribunal Federal (STF), a confusão desses termos é direta e demonstra pouco cuidado das autoridades para lidar com questões semânticas.
Nesse contexto, a luta da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE) e suas entidades filiadas pauta-se, desde sua fundação, na adoção de políticas de valorização profissional para todos trabalhadores no interior da escola. Temos avançado nessa questão, inclusive com o reconhecimento da Área 21 junto ao Conselho Nacional de Educação (CNE) e, posteriormente, o reconhecimento dos funcionários de escola como profissionais da educação na LDB (Lei nº 12.014, de 2009), que vem pautando a necessidade de superar a limitação conceitual de se referir apenas ao professor quando falamos de profissionais da educação. Além disso, a existência de um programa de profissionalização de funcionários de escola, denominado Profuncionário, e a resolução do CNE sobre diretrizes de carreira para os funcionários de escola revelam avanços importantíssimos na superação dessa ambiguidade.
Em geral, os problemas ganham novos contornos quando se trata da aplicação e do próprio cumprimento da legislação sobre valorização profissional na educação pelos entes estaduais e municipais. Sem ter assegurado sequer a aplicação do PSPN como referência na carreira para os professores, o reconhecimento dos funcionários de escola como profissionais da educação, na prática, em muitos estados e municípios, ainda está por vir.Parece que os gestores, por opção, fecham os olhos às exigências do atendimento dos filhos da maioria da população que estão na escola pública. Contudo, todos são sabedores dos problemas que afetam a escola pública, envolvendo falta de infraestrutura e profissionais efetivos e bem formados; inclusive, não faltam, em seus planos de campanhas eleitorais, apontamentos que definem a educação como prioridade. Pura retórica! Passadas as eleições, empossados os vencedores, continua tudo como era antes.
Valorização profissional – a defesa da CNTE
Para a CNTE( Diretrizes para a Carreira e Remuneração - 2009), a valorização profissional compreende: carreira, jornada, salário e formação (incluída a profissionalização dos funcionários de escola), componentes indissociáveis que compõem a base do profissionalismo dos educadores brasileiros (VIEIRA, 2008). Ao falarmos desses componentes, estamos falando das condições de desenvolvimento profissional daqueles que, pelo menos 4 horas por dia, dedicam sua vida para educar/ensinar os filhos da maioria da população brasileira, que tem seus filhos na escola pública.
Sem carreira atrativa, sem jornada e salário compatíveis com as necessidades humanas e da profissão e sem as condições de ressignificação do conhecimento (formação contínua), esse tempo de relacionamento de vida pode ganhar contornos dramáticos e fazer incidir implicações sobre a própria condição dos profissionais da educação de não favorecer um ambiente escolar para o ensino e aprendizagem numa condição dialética e dialógica do “ensinar” e “aprender”, como bem nos explicita Freire (1996).
Vieira (2007, p. 13) é categórica ao afirmar que “vivemos num país em que a retórica sobre valorização profissional tem banalizado muitas discussões.” A verdade dessa afirmação encontra-se no fato de que, por exemplo, há5 anos, conseguimos avançar numa discussão sobre piso salarial do professor e tal debate tem servido de motivo para desconstituir outras conquistas, como a própria carreira, a jornada e o piso, pela via da judicialização.
Nessa perspectiva, há muito que conquistar, considerando que nossa luta, por exemplo, para a conquista de um piso profissional dos professores é de 200 anos (VIEIRA, 2007). Ainda, contamos com todas as investidas dos gestores (governadores e prefeitos) inviabilizando essa conquista, bem como com a morosidade do julgamento das diversas ações no STF. Por fim, no âmbito das carreiras, considerando a fragilidade das existentes, os avanços na conquista do piso têm sido utilizados para o rebaixamento das diferenças entre os níveis de formação, tornando a carreira engessada e pouco atrativa para quem está na educação e para quem deveria entrar.
Valorização profissional e formação
Na concepção de luta da CNTE, a formação profissional tem espaço importante para a qualidade na aprendizagem. A atualidade, levando em conta a realidade virtual e toda a tecnologia à disposição dos processos de conhecimento, desafia nossos espaços de escola e nossos profissionais da educação. Professores e funcionários precisam estar preparados para dar respostas ao desafio do processo de ensino-aprendizagem em tempo virtual.
Nossos alunos, já na sua tenra idade, pelo acúmulo de experiências imagéticas que trazem consigo e pelas relações que travam num contexto de mundo urbano, colocam novos desafios à forma de ensinar tradicional e bancária na qual a maioria dos profissionais foi “formada”. Ainda, do ponto de vista das relações, novos desafios colocam-se ante a velha ordem de respeito pela condição moral familiar que imperava no campo. Como profissionais da educação, ou nos preparamos para novos patamares de convivência nas relações e na construção do conhecimento ou viveremos eternamente reclamando das dificuldades do exercício da profissão, sem perceber a “violência” de uma escola que não oferece margem de autonomia e/ou perspectivasaos estudantes.
Em termos de formação, outro desafio é a relação interdisciplinar, que exige grande envolvimento para planejamento, pesquisa e avaliação em conjunto. Nossos profissionais, professores e funcionários de escola,pelas condições a que estão submetidos, não conseguem desenvolver um trabalho em conjunto, com várias complicações para o desenvolvimento do projeto pedagógico das escolas. Acrescente-se, aqui, a questão da metodologia. Metodologia de ensino e pesquisa, no caso dos professores em específico, não são pontos fortes na formação dos nossos profissionais pelas instituições formadoras.
Nesse sentido, deve ser levada em conta toda uma conjuntura desfavorável pela instituição do livremercado de faculdades no âmbito da formação de professores, oriunda da ausência do Estado na garantia da formação profissional dos educadores (AGUIAR, 2008; FREITAS, 2008; VIEIRA, 2008). Além disso, se levarmos em conta a fragilidade dos nossos estágios de formação docente, o resultado não poderia ser outro: nossos educadores, recém-formados, raramente reúnem as condições metodológicas para ensinar, principalmente ensinar aprendendo, condição de tornar os alunos sujeitos do conhecimento, o que faria a estada em nossas escolas mais atrativa e estimulante, principalmente para os alunos. Na verdade, a precariedade do salário e os contratos temporáriostiram-lhes a opção da dedicação.
Portanto, a formação inicial e continuada é elemento estratégico para estabelecer uma nova condição de atuação profissional. Como bem afirma Alves (1991), é preciso provocar fome de conhecimento em nossos estudantes, assunto também abordado por Freire (1996) ao mencionar a curiosidade epistemológica.Isso requer outra condição de formação: superação das ações que obrigam os professores a frequentar cursos apenas para garantir pontos em vista do processo de atribuição de classes e/ou aulas a cada início de ano letivo, além de acesso a meios e espaços de informações e conhecimento da atualidade, para que possamos ser instrumentos de diálogo com as crianças, adolescentes, jovens e adultos em nossas escolas.
A tragédia de Realengo, no Rio de Janeiro, e a de Santa Maria, no Rio Grande do Sul, são exemplos do que significa a urgência de os educadores terem acesso a meios e espaços para sua formação continuada, de modo a significar e ressignificar todos os acontecimentos na vida social e estabelecer relações na vida dos alunos.
No caso de Realengo, o estudo aprofundado dos acontecimentos anteriores à tragédia revelou toda uma situação de violência a que aquele menino estava submetido, desde sua família, continuando na sociedade e até na escola. A leitura atenta dos sinais poderia e pode proporcionar uma antecipação de muitas tragédias em nossas escolas. Esse exemplo, compreendido como esforço de formação continuada, deveria ajudar todas as escolas do Brasil a repensar as relações dentro da própria escola.
No caso de Santa Maria, diversos elementos podem ser considerados para o espaço da formação: por que a juventude, os técnicos da prefeitura e o Corpo de Bombeiros não leram os sinais de um ambiente fadado à tragédia, posto que a casa de showsera um caixote em termos de arquitetura? Por que os jovens submetem-se a tantos ambientes hostis, que oferecem riscos de morte, sem questionamentos e protestos? Isso tem a ver com a noção de cidadania? Se sim, porque tivemos quase três centenas de mortes? Refletir essas condições na escola é imperativo, sob pena de não aprendermos as lições da vida. Nesse caso, será necessário que os educadores estejam profundamente inseridos num ambiente de escola que favoreça a leitura, pesquisa e investigação dos fatos e do mundo. Este é o papel da formação continuada.
O espaço da formação continuada deve fazer com que esses temas da atualidade, debatidos entre os profissionais, necessariamente ganhem a extensão da sala de aula, portão, corredor, secretaria, refeitório, laboratórios da escola e, por consequência, a casa e o local de trabalho dos estudantes. Os profissionais da educação podem, a partir das condições da formação contínua, se preparar para contribuir mais na formação dos estudantes, oferecendo elementos para a antecipação de tantas tragédias, que, na cultura capitalista, estão sempre por vir.
Valorização profissional ecarreira
Outro tema basilar para a valorização profissional é a carreira. Eis aqui um tema que muito nos desafia. Considerando a realidade de que são tantas as carreiras quantos são os estados e municípios do país, o desafio é muito maior, uma vez que se trata de diferentes concepções do que venha a ser carreira.
Vieira (2007) afirma que, no serviço público e em alguns setores privados, o conceito de “profissional” está vinculado a uma carreira e, portanto, a carreira constitui um estímulo ao crescimento pessoal e profissional, uma vez que, em seu interior, devemos encontrar provimento por concurso público, fatores de progressão por tempo de serviço e merecimento (a verdadeira compreensão de mérito e não meritocracia)e outras condições que possam contribuir para que os educadores possam “fincar” o pé no chão da escola e nela se dedicar integralmente.
Partindo desse ponto de vista e comparando os muitos projetos de carreira que temos pelo Brasil, podemos afirmar que, em vez de estímulo, essas carreiras contribuem para a fragmentação do projeto escolar e da vida profissional, uma vez que, desmotivados pela própria carreira e não tendo condições de sobreviver a partir dela, os profissionais aventuram-se pelos caminhos da dupla jornada de trabalho, que, ao longo de sua vida profissional, lhe proporcionará de forma antecipada os efeitos das moléstias que são inerentes àprofissão (CODO, 1999).
Fato é que a condição de carreira, prevista na CF de 1988, ainda não logrou sua regulamentação. O pior é que o princípio do acúmulo de jornada é uma chaga que tem condenado profissionais a conviver relativamente cedo com as moléstias da profissão e, na hora da aposentadoria, com a supressão de anos significativos da sua expectativa de vida. De outro lato, possibilitando o acúmulo de jornada, condena-se, nesse caso, o professor a não ensinar como deveria e o aluno a não aprender como deveria, uma vez que o profissional com acúmulo de jornada historicamente trabalha dois períodos em relação direta com os estudantes, não lhe sobrando tempo para a pesquisa, a avaliação, o planejamento e a relação pedagógica com os próprios alunos e seus pais.
No caso relatado no início deste artigo, em que condições aquela professora vai ensinar seus alunos se ela está dois períodos em sala de aula e, ao final, tem que correr para frequentar a faculdade? E a jornada de casa? E sua vida familiar? Quais são as condições de essa profissional lidar com alunos do processo inicial de alfabetização?É possível, assim, entender porque aquele aluno teve dificuldades de relacionamento e de aprendizagemno primeiro ano do ensino fundamental. Há, ainda, muitas questões a serem respondidas sobre as condições daquela professora: que tempo dispõe para preparar e avaliar suas aulas? Para conviver com sua família? Para conviver com os alunos, principalmente aqueles com dificuldades de aprendizagem, que exigem mais tempo de acompanhamento? Que tempo tem ao final, no cotidiano da escola, ao portão, espaço diário sagrado de reunião e encontro de pais, mães ou responsáveis e momento ímpar de relação e conversa orientadora de como os pais devem acompanhar seus filhos na escola?
Fato também é que há um “fim” na maioria das carreiras existentes que desvirtua a concepção própria de carreira: elas não favorecem a dedicação e a realização plena do ser do profissional da educação. Cito um exemplo: o caso do estado de Pernambuco, no qual a diferença de percentual do salário do professor de nível médio para o de nível superior é de 5%, o que faz com que a carreira jamais seja estímulo para alguém entrar ou continuar na profissão, gerando prejuízos incalculáveis aos processos escolares. Isso porque, toda vez que alguém abandona a profissão ou mesmo a deixa em função de melhores salários, há uma quebra de vínculo na vida dos estudantes, que se inicia com a troca do profissional e determina uma nova condição de aproximação afetiva entre o educador e o aluno, que leva tempo e afeta diretamente a relação ensino-aprendizagem, que também é mediada pela condição do afeto (MORGADO, 1999).Desse ponto de vista, a carreira, sem critério significativo de valorização na formação,promove um paradoxo: pensada para valorizar o educador, possibilita apenas ao gestor “gastar pouco” em termos de pessoal na educação.
Para a infelicidade dos profissionais da educação, quando efetivos, em sua maioria estão assentados em carreiras desestimulantes, carreiras que colocam em riscos os milhões em recursos que estão sendo disponibilizados pela Política Nacional de Formação, por meio do Plano de Ações Articuladas (PAR),sendo que, de certa forma, a oferta não tem atendido a demanda, porque esta não reúne as condições para aproveitar aquela, uma vez que não há para os profissionais condições objetivas de carreira para frequentar tal formação.
Para a CNTE, há aqui um grande equívoco: não se pode pensar a carreira nesse viés de negação da própria valorização. Assim, a compreensão da exigência do plano de carreira deve estar em consonância com olhar a carreira como bem da sociedade, isto é, a existência de uma carreira com critérios significativos de valorização profissional é fundamental para os profissionais e para o sistema, mas é muito mais para os alunos, pais e mães de alunos, enfim, a sociedade.
Gosto sempre de citar minha experiência de pai de três filhos na escola pública, usando o exemplo de quando deixava meus filhos no portão do Centro Municipal de Educação Infantil (creche e alfabetização). Aquele senhor que acolhe nossas crianças no portão precisa ser entendido como um profissional da educação.A carreira como bem da sociedade é isso: eu, enquanto pai, me sinto tranquilo ao deixar meu filho na escola, porque, desde o portão de entrada, confio meu filho a profissionais da educação que se dedicarão para que ele tenha condições de aprender significativamente.
Segundo Vieira (2007), a carreira como bem da sociedade advém da importância social da educação edas condições para que essa política possa ser desenvolvida. Nesse sentido, debater carreira não é somente questão salarial, duração da jornada de trabalho, evolução funcional; debater carreira para a educação significa examinar todas as interfaces da organização do processo educacional, tendo como ponto de partida a carreira como condição favorável à dedicação profissional. Aliás, se tivéssemos condições dignas de carreira, os problemas relatados no início deste artigo seriam enfrentados com naturalidade e poderiam ser espaços de amadurecimento de todos os indivíduos envolvidos nas questões. Ainda, a autora, quando trata da carreira, aponta-a como um direito corporativo, além de uma garantia para a sociedade, no sentido de que, por exemplo, com concurso “não há – ou é menor o risco de que o governante eventual tenha todos os poderes sobre a política a ser desenvolvida, inclusive, a da improvisação.” (p.41).
Por sua vez, para a CNTE (2009), a carreira precisa estar organizada em critérios mínimos de promoção vertical e horizontal, ou seja, a carreira precisa valorizar a habilitação e o tempo de serviço do profissional. Ela precisa ser pensada num horizonte de valorização progressiva, garantindo uma diferença entre o nível médio e o superior em torno de 50% e de 20% nos demais níveis de formação.No caso da valorização por tempo de serviço, indica que, ao longo dos 30 anos de serviçoprevisto para a última referência da carreira, o salário deve ter uma valorização entre 50 e 60% do salário inicial de cada habilitação.
É necessário, ainda, ter cuidados com relação aos chamados penduricalhos na carreira. A orientação principal é para que se criem condições de carreira para que, ao final, o profissional não corra riscos de perder seus ganhos salariais com a aposentadoria. Dessa forma, há que se pensar em uma estrutura de carreira que comporte o salário como vencimento integral. Nesse caso, a Emenda Constitucional nº 19, de 1998, aponta a forma de subsídio que, respeitadas as diferenças de promoção (formação) e progressão entre os níveis (tempo de serviço), torna a carreira mais atrativa. Um exemplo claro dessa condição é a Lei Orgânica dos Profissionais da Educação Básica (LOPEB) do estado de Mato Grosso, sendo a carreira fortemente defendida pela própria categoria. Do ponto de vista negativo, podemos citar o plano de carreira do estado de Pernambuco, no qual a diferença de percentual no cargo de professor entre a formação de nível médio magistério e licenciatura é de apenas 5%, sendo que essa diferença já foi de 0,97%. Tal situação proporciona a total fragmentação dos projetos pedagógicos nas escolas, uma vez que tamanha desvalorização proporciona insegurança ante a opção pela própria carreira e profissão (ALENCAR, 2013; ARAÚJO, 2013).
A experiência tem demonstrado que, nos locais onde as carreiras respeitam os princípios que valorizam os profissionais na formação e no tempo de serviço, há uma maior motivação profissional para permanência na carreira e no exercício profissional e isso se torna uma condição para a fixação do profissional na escola, o que é fundamental,em médio e longo prazo, para obtenção de resultados na questão da aprendizagem.Lamentavelmente, o que se vê pelo país é uma experiência de carreiras baseadas nas questões de meritocracia e no desempenho apenas de promoção dos alunos, em que a valorização salarial está atrelada às políticas de abonos e prêmios, promovendo competição entre os profissionais.
Para a CNTE, urge que o país avance na regulamentação de diretrizes nacionais de carreira, de forma a uniformizar alguns princípios basilares para a valorização profissional. Nesse sentido, no Congresso Nacional, tramita desde 2003 um projeto de lei que busca estabelecer diretrizes nacionais de carreira dos profissionais da educação. Ele foi inicialmente apresentado pelo professor Carlos Augusto Abicalil, então deputado federal e ex-presidente da CNTE por três mandatos. Na legislatura atual, coube àprofessora Fátima Bezerra, deputada federal pelo estado do Rio Grande do Norte, reapresentar o projeto de lei em pauta (Projeto de Lei nº 2.826, de 2011), o que demanda maior esforço dos entes para sua tramitação, parecendo não haver interesse para tal questão.
O desafio da regulamentação mínima para as carreiras está colocado; há que se perguntar por que essa matéria não avança no Congresso. A resposta vai nos levar a perceber que é pela mesma razão que a Lei do Piso não deslancha ou não é praticada pelos gestores, ou seja, o fato de a carreira alterar ainda mais a vida cotidiana dos profissionais da educação, exigindo mais investimento no pagamento do piso salarial e na qualificação desses profissionais. Nesse sentido, poucos são os gestores que apoiam a regulamentação da carreira dos profissionais da educação.
O desafio está posto: lograr melhores resultados na aprendizagem com nossos estudantes requer um profissional bem formado, bem pago salarialmente, dedicado a uma única escola e uma única jornada, que possa ser avaliado no contexto de sua atuação e das condições que tem para desenvolver o seu trabalho.
Valorização e jornada de trabalho
Falar em valorização profissional é também falar da jornada dos profissionais na escola; inserindo-a num contexto digno de carreira, temos grandes desafios. Para ilustrar, retomemos o relato em que os alunos pensaram ações para “tirar o professor do sério”, como descrito no início deste artigo. Com certeza, determinadas situações, como esta, são consequências de existências de profissionais que estão submetidos auma dupla e até tripla jornada de trabalho e em mais de uma escola. Com isso, o profissional, que já ressente o problema de uma formação profissional desvinculada da realidade e da ausência de uma formação continuada, não reúne condições para pensar e executar conteúdos e metodologias que contribuam para a melhoria do processo formativo e das relações dentro da escola e que desafiem os alunos na condição de pensar e produzir conhecimento.
Não podemos duvidar de que a maioria dos problemas enfrentados dentro de nossas escolas advém de “existências” negadas, tantos dos profissionais da educação quanto dos estudantes, ou seja, numa condição de sociedade da imagem e da informação rápida, em que os alunos estão duramente expostos, num processo escolar bancário e autoritário a que nossos profissionais estão expostos, não é nenhuma novidade o estranhamento nas relações. De fato, o contexto atual exige o profissional teoricamente delineado pelo antigo PNE (Lei nº 10.172, de 2001), no capítulo da formação e valorização profissional, ou seja, aquele que cria condições para que os alunos mantenham o entusiasmo inicial, a dedicação e a confiançanos resultados dos trabalhos pedagógicos. Em outras palavras, somente um profissional com dedicação exclusiva poderá reunir as condições, a partir do coletivo de profissionais, para enfrentar esse grande desafio que é perceber as atitudes dos alunos como um grito de alerta, dizendo com seu próprio corpo que as condições de dedicação profissional atuais na escola pública não respondem aos desafios da sua inserção na realidade. Como pondera Alves (1991), não reunimos hoje as condições para provocar fome de conhecimento nos alunos.
Entre as questões centrais para o debate da jornada na carreira, principalmente do professor, temos que pensar, por analogia,que a jornada do professor em sala de aula, não pode ser maior que a jornada do estudante, também em sala. Na relação jornada do estudante versus jornada do professor, o fato de um/a professor/a atuar para além de uma função pedagógica tem acarretado dois grandes prejuízos para a relação ensino-aprendizagem: o primeiro é de um profissional que não reúne as condições de tempo para exercer a docência, aliada às necessárias condições de investigação e pesquisa, de interação com os próprios estudantes em seu universo cultural e social, de avaliação constante e de diálogo para a superação dos problemas de aprendizagem; já o segundo está relacionado à saúde do educador. Um professor que atua em mais de um turno de trabalho, dadas as condições de escolas e de número de alunos que precisa acompanhar, atrai para si toda sorte de enfermidades derivadas do exercício e estresse profissional. Corrobora esse fatoo livroEducação: carinho e trabalho(CODO, 1999), que atesta que,sob condições de trabalho degradantes, estamos muito propensosàsíndrome de Burnout, a síndrome da desistência interior. Nesse sentido, nada mais trágico para a educação das crianças, jovens e adultos que um profissional que desistiu interiormente, que já não é mais alentado pelo sonho, pela utopia, pela esperança e pela fé de que pode e deve fazer algo para ajudá-los na superação de seus problemas.
Num desenho de carreira, os debates por ocasião da luta pelo PSPN na CNTE avançaram na concepção de uma jornada de 30 horas semanais, sendo 20 horas de interação com alunos e 50% a mais desse tempo para estudos, preparação das aulas, planejamento, reuniões pedagógicas com os pares, família einteração com a sociedade. (CNTE:PASSO-A-PASSO DO PSPN:2007) Em que pese a cultura de pensar a jornada de 40 horas semanais, referência inicial do Pacto pela Valorização do Magistério, em 1993,o que atualmenteengessa, inclusive, a leitura, compreensão e aplicação equivocada da Lei nº 11.738, de 2008, a jornada de 30 horas semanais possibilitaria ao professor, principalmente, uma condição, um período de descanso que certamente lhe favoreceria no acesso à cultura, ao entretenimento e ao lazer, na convivência com familiares e amigos, bem como na superação de problemas de saúde e quebras de relações familiares na vida pessoal, com grandes ganhos para a vida profissional.
No contexto da jornada que contribui para a valorização profissional, “há uma pedra no meio do caminho”, paracitar o poeta Carlos Drummond de Andrade, que se chama acúmulo de cargo para os professores na CF. Esse instituto do acúmulo de cargo para professor, que se transformou em “chaga”, é certamente uma das condições de extenuação emocional dos professores, bem como dos baixos salários e da prodigiosa ação dos gestores de não favorecer uma carreira e piso salarial dignos da profissão. Apesar dos grandes debates em torno do tema, não há, no horizonte profissional dos professores, esperanças de superar a chaga do acúmulo de cargos, o que é ruim para a maioria da população, que tem seus filhos na escola pública.
O Congresso Nacional tem dívidas quanto à necessária regulamentação de alguns artigos que dizem respeito à educação. Já apontei o regime de colaboração, financiamento e carreira; surge mais uma: a superação do acúmulo de cargo para professor. Não resolver essa questão é possibilitar a desvalorização da própria profissão e submeter os educadores aos problemas da depressão e do esgotamento nervoso, como também ao abreviamento da expectativa de vida após a aposentadoria, pelas exigências das condições a que são submetidos(FERREIRA, 2012).
O acúmulo de cargo expõe o profissional a uma relação com centenas de alunos, em que as condições do necessário acompanhamento individual são diretamente prejudicadas. Além da relação com os estudantes, há a necessária relação com os pares e, também, os pais e mães dos alunos, em tempos e espaços que lhe são próprios, na correria da vida cotidiana, que exige dedicação exclusiva dos profissionais. Ainda, esse problema impede diretamente a superação de uma realidade demandadaà União, estados e municípios, que é ocomprometimento na formação de um profissional pesquisador, reflexivo, crítico e comprometido com a qualidade do ensino e aprendizagem (BRASIL, 2001).De fato, ou a nação cuida melhor de seus profissionais da educação básica ou lograremos colher tragédias piores que aquela vivida na escola pública municipal de Realengo. Com certeza, com melhores condições de carreira, formação e jornada, muitas tragédias comuns numa sociedade capitalista poderiam e poderão ser evitadas, bem como seus efeitos poderão ser diminuídos.
Valorização profissional, financiamento da educação e salário
Sendo outro fundamento da valorização profissional, o salário está diretamente vinculado à subsistência do indivíduo ante suas necessidades básicas. Especificamente, o salário do profissional da educação exige ser pensado para além das condições de um cidadão que participa das prerrogativas do art. 6º, inciso IV, da CF. O inciso V do referido artigo, combinado com o art. 206 da CF, oferece-nos a justa medida do que se deve pensar em termos salariais, do que precisa ser levado em contaao tratar do financiamento da educação. Afinal, falar em salário dos profissionais da educação é falar das condições de sobrevivência de um profissional que convive pelo menos 4 a 6 horas diárias com os filhos da maioria da população.
Por se tratar de um profissional altamente exigido do ponto de vista das relações humanas, porque contribui para a formação dos estudantes, e como fundamento de sobrevivência num mundo capitalista, o salário dos profissionais da educação também ganha contorno de investimento contínuo, para poderem estar à frente no conhecimento dos fatos e na (re)significação destes para uma atuação diferenciada diante dos estudantes. Infelizmente, não é isso que acontece.
O salário é, hoje, uma das questões centrais para o bom desempenho dos profissionais da educação. Não faz sentido, nas condições econômicas atuais, em tempo de vinculação e subvinculação constitucional de recursos, conviver com atraso de salário na educação. Para além do atraso no pagamento de salário, uma pesquisa relatada por Vieira (2007) aponta que o baixo salário é um vilão ante a impossibilidade de assinar revistas, adquirir livros, frequentar teatros, fazer viagens culturais, visitar museus etc., condições fundamentais para a relação ensino-aprendizagem.
Nossa luta na CNTE aponta para a conquista de um piso salarial com base em parâmetros mínimos para vencimento inicial da carreira. Esta foi a defesa do PSPN, conforme a Lei nº 11.738, de 2008. Lamentavelmente, o atraso de compreensão da classe política e as disputas econômicas em torno dos orçamentos públicos não permitem um consenso na hora de valorizar os educadores. Por isso, a referida lei vem sofrendo duros e consecutivos ataques no STF(FERREIRA, 2009).
Um exemplo de ataque originado pela pressão dos prefeitos e governadores visa a limitar o índice de revisão do PSPN ao Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC); será uma tragédia se isso acontecer. Na raiz dessa questão, está o financiamento, mais especificamente de arrecadação, que se arrastam por décadas no país não logrando ampliação significativa de recursos pela criaçãotaxas não tributáveis para a Manutenção e Desenvolvimento do Ensino – MDE e em alguns casos, os recursos diminuíram ou estagnaram.(UNDIME/MT:2013)
Fato ilustrativo aqui é a confusão das estimativas e correções do valoraluno no Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb), que a cada ano desestabiliza principalmente os municípios, que são dependentes das transferências constitucionais.
No caso dos salários, assunto emblematizado pela luta para a aplicação da Lei nº 11.738, de 2008, temos o maior exemplo de disputa de projetos educacionais, depois da questão do financiamento e da luta da sociedade para aplicação dos 10% do PIB na educação. O PSPN é luta histórica da categoria, que conta com dois séculos de atraso (VIEIRA, 2007).
Para Vieira (2007), longe de ter sido conquistado na íntegra, pois ainda nos falta o componente de carreira baseado em princípios universais de valorização, o piso tem que ser pensado para a realidade de milhões de pessoas no país que dedicam a maior parte da sua vida na construção de uma sociedade justa e fraterna.Nesse sentido, o PSPN como previsto na lei retro citada, sendo parâmetro inicial de nível médio profissionalizante na carreira e devendo respeitar coeficientes dignos de valorização nos outros níveis de formação, “precisaser estabelecido para suplantar um paradoxo: por ser os profissionais mais dedicados à profissão, são os que tem uma realidade precária e de difícil acesso aos bens culturais, científicos e tecnológicos necessário ao próprio exercício profissional.”(VIEIRA:2007 p.10)
Num país marcado por tantas desigualdades, o PSPN tem o papel de combater os efeitos das desigualdades regionais. Ainda mais,valoriza a carreira, recupera a dignidade profissional dos educadores, ajusta os sistemas de ensino dos entes federados, de modo a potencializar a gestão dos recursos e a oferta de educação de qualidade, bem como força a retomada do debate em torno do regime de colaboração entre estados e municípios, objeto urgente e necessário na CONAE 2014. Nesse contexto, em que pese a possibilidade de mudança no índice de correção do piso, prevalecendo a correção que aponta parao aumento do poder de compra do trabalhador para além da inflação, o PSPN já se estabeleceu como conquista dos trabalhadores brasileiros, em face das lutas por piso e carreira nos últimos anos, mesmo diante de grandes confrontos, seguidos de exaustivas greves dos educadores.
Levando em conta a necessidade premente da carreira, a Lei nº 11.738, de 2008, estabelece um patamar de remuneração sobre o qual incidem as vantagens da carreira, fixa data anual para reposição de perdas salariais e sobrepõe-se aos limites impostos pela descentralização da educação básica e às responsabilidades dos entes federados.Além disso, a luta pelo piso está essencialmente ligada à manutenção de direitos essenciais em vista da valorização profissional, tais como: férias, licenças-prêmio/sabáticas, jornada diferenciada para quem frequenta cursos de formação inicial e continuada, e jornada diferenciada para quem está próximo da aposentadoria.Há que se destacar, também, que os temas do piso e da carreira estão intrinsecamente ligados. O tema do piso sem critérios dignos de carreira contribuirá ainda mais para o desprestígio da profissão e para realidades de precarização das condições de exercício profissional, o que tem impacto direto na aprendizagem dos estudantes e na saúde dos profissionais da educação.
O desafio está colocado no sentido de que é preciso superar algumas condicionantes que impedem os entes de valorizar minimamente os profissionais da educação, principalmente nas redes municipais. Na Lei do Piso, há que se regulamentar com mais critério a questão da participação da União na garantia do piso nacional. Nesse sentido, a CNTE tem reiteradamente apresentado ao Conselho Nacional do Fundeb a necessidade de superar a lei no que afirma aPortaria nº 484, de 28 de maio de 2009, e a Resolução nº 2, de 23 de janeiro de 2009, ou seja, apenas os municípios dos estados que recebem complementação do Fundeb podem reivindicar ajuda para o PSPN. Ainda, outro desafio é tratar com mais critério as chamadas prioridades dos entes no atendimento da demanda. Tendo em vista a capacidade de arrecadação de cada ente, o atendimento da demanda de matrícula deve ser proporcional.
Somente a revisão dessas questões proporcionaria a reversão da perversa política de municipalização do ensino, em que os municípios, pela incipiente participação na arrecadação nacional, acabam por assumir uma demanda para a qual não têm recursos financeiros. O resultado não poderia ser outro: baixos índices de aprendizagem e incapacidade de pagamento do piso com vinculação na carreira de forma digna.
Valorização profissional e a profissionalização dos funcionários da educação
Outro grande desafio da valorização dos profissionais da educação é a superação da dicotomia profissionais da educação versus profissionais do magistério (DOURADO, 2009), consagrada na prática, nos textos constitucionais e tambémno movimento.Somente na última década o Governo Federal logrou garantir investimentos para a profissionalização dos funcionários da educação; ressalte-se que os trabalhadores da educação de Mato Grosso, organizados pelo Sindicato dos Trabalhadores no Ensino Público de Mato Grosso (Sintep-MT), foram vanguarda na garantia de direitos.
Contudo, as dificuldades são crescentes. Num país que tem dificuldade de valorizar o professor da educação básica, os funcionários são convocados a aprofundar a luta. A constituição da Área 21, aliada à conquista da Lei nº 12.014, de 2009, aponta agora paragrandes desafios para os estados e os municípios, sendo dois deles garantir a profissionalização dos que já estão em exercício da profissão e formar para atendimento da demanda social.
Mas qual é a razão que justifica a profissionalização dos funcionários de escola? Vamos encontrar a resposta na complexidade do fenômeno educativo em nossas escolas.
Abicalil(CNTE:2009:pg.122) resume toda essa complexidade da seguinte forma:
As transformações da sociedade [...] fizeram da escola uma agência complexa de educação, lugar de vários papéis e vários profissionais. Daí a necessidade de se democratizar a estrutura profissional do ensino público, dando de vez um estatuto de igualdade para todos que, de forma permanente, têm a escola como local de trabalho. A habilitação profissional, o ingresso por concurso de provas e títulos e a melhoria salarial introduzem todos os funcionários de escolas comprometidos com a educação numa perspectiva de carreira profissional.
Portanto, considerando: 1) a escola como lócus da educação e não somente da “instrução”, incluindo a crescente presença e importância dos funcionários nas funções “além do ensino”; 2) a compreensão de que a educação escolar não passa apenas pela atuação do docente em sala de aula; 3) a existência de um conjunto de atividades que são essenciais para que o aluno possa aprender e que dependem não dos professores, mas de outros trabalhadores dentro da escola; 4) que esse conjunto de atividades constitui um “fazer” pedagógico que também educa; e 5) a escola como espaçopara a construção do conhecimento, construção do ser do profissional integrado, participativo e autônomo, há atualmente, no Brasil, um grande esforço para a valorização profissional dos funcionários de escola.
No âmbito da luta sindical, há muitos desafios: ampliar o número de funcionários sindicalizados; exigir das esferas estaduais e municipais a expansão do Profuncionário; fortalecer a identidade profissional do funcionário; sensibilizar as instituições formadoras a ofertar curso
Fonte: Assessoria